domingo, 16 de janeiro de 2011

ELOGIO E PRANTO POR UMA MULHER

És e renasces como a pura linha do amanhecer
e como o sol primeiro és incandescente
rosado de repente e logo a pouco
e pouco cada vez mais rubro e mais intenso
até à amarela gema de ovo que é o sol a pôr-se
Quanto eu não dava deus por sempre te ouvir rir
riso tão fresco como tilintar de loiça
Não confies em mim mulher mas desconfio haver de
                                                             amar-te
até ao fim do mundo frase conhecida que me surge
no poster ilustrado com esse poema do
palhaço morto do miguel macedo
miúdo que por certo e muito bem desconhecia
a inscrição de pedra inscrita aos pés do túmulo de pedro
esse maldito infante embêbedo de amores
pela açafata a nova isolda do novo tristão
pedro possivelmente pederasta misturados nesses
concúbitos danados que geravam lobisomens
homem que nasce e morre sem amparo de árvores
Seis são os anjos reparei depois tal como foram seis
os beijos que te dei e depois respirei e descansei
que o sétimo seria fosse beijo ou dia
um tempo de repouso e não de guerra
Suspeito ter em ti essa mulher que se requer e que
se nos arrima mais que amor nos dá a rima
Tu não és como eu sou mensageira da chuva
da água calculada e racionada
tu libertas o corpo da mais pura espuma
Rosa-dos-ventos vivos e poéticos
quisera coroar-te de hera rosmaninho e louro
quisera engrinaldar-te a fronte dos junquilhos amarelos
colhidos nas montanhas junto ao mar
sob o recente sol do dia de ano novo
que em noites de tormenta canta tanto
que para ele caminho até quase cair
depois de tropeçar no escuro nalgum tufo de verdura
quisera para ti o cheiro que me chega
agreste dessa planta sumarenta há bem pouco pisada
quisera para ti a cúpula de tudo essa
perene cúpula que sempre se procura e sempre foge
no desencanto mesmo da menos fugitiva cópula
Sonho contigo e vejo-te valsar
de branco a valsa vienense de johann strauss
elegantemente embebida num vestido branco que embebias
do requinte distante do elegante porte
que sem misericórdia porém sem acinte
opunhas garça de pescoço alto e fino
à mole escura da igreja da atouguia da baleia
inaugurando o ano inaugurando a vida
a causa sem remédio já por mim perdida
E se durante o sono contigo sonhei
ter-te perdido para sempre agora sei
Um dia por exemplo deixarei de ver-te
um dia deixarei de vez de ver-te
dissolvidos os ombros confundidos os cabelos
entre inúmeros ombros e cabelos de distinta gente
nas salas populosas de um museu
Mas surgisses de súbito ó aparição
do solo da cidade onde estiveste há tantos anos
onde por ter um dia estado jamais estiveste
surgisses tu aqui e tudo mudaria
Porém eu sei sem dúvida que um dia após
uma colher de olhar em água dissolvida
além do nome voltarás a ter pra mim um apelido
Na prematura primavera de sevilha
o poeta na musa se assevera
e a palavra em seus olhos mais uma vez brilha
E o vento que te envia a primitiva primavera
com que na raiz dos teus cabelos principia
a construir esse edifício de alegria
visível para quem em ver-te como eu há muito persevera
Hás-de cair da vida um dia como agora este cinzeiro
esta recordação de inolvidável refeição no restaurante
                                                                    anselmo
de madrid se quebra nos ladrilhos do meu quarto
Onde sem ser no verão sem ser em mim
terá enfim ficado o teu sorriso?
É digna esta cabeça de mulher do espaço desta tarde
que me explode nos olhos mal eu saio do metro
Não sei não sei donde é que venho não importa vindo eu
do metro ou tarde é para ti que na verdade vou



Ruy Belo. Transporte No Tempo. Introdução de Fernando Pinto do Amaral. Editorial Presença, 4ª edição, Lisboa, 1997., p. 130/1
Quero dormir não ter esta doença de pensar


Ruy Belo. Transporte No Tempo. Introdução de Fernando Pinto do Amaral. Editorial Presença, 4ª edição, Lisboa, 1997., p. 114
(...)

inesperados os primeiros acordes do concerto imperador
Se um dia penso porventura te perder
mulher simples recôndita e surpreendente
sobre quem recaiu o peso do meu nome
só então saberei o peso do meu nome
só então saberei quanto valias verdadeiramente
Estás presente em mim como ninguém
e sabes quão terrivelmente amei e amo outras mulheres
além de ti além de minha mãe
Mas tu tens o meu nome clara rilke tu trocaste
a tua alegre vida irrequieta
no único infeliz dos teus negócios
por um poeta pobre e feio como eu
Contigo aprendi coisas tão simples como
a forma de convívio com o meu cabelo ralo
e a diversa cor que há nos olhos das pessoas
Só tu me acompanhaste súbitos momentos
quando tudo ruía ao meu redor
e me sentia só e no cabo do mundo
Contigo fui cruel no dia-a-dia
mais que mulher tu és já hoje a minha única viúva
Não posso dar-te mais do que te dou
este molhado olhar de um homem que morre
e se comove ao ver-te assim presente tão subitamente
Bons-dias maria teresa até depois
preciso de tomar o pequeno-almoço
a cerveja era boa mas é bom comer
como come qualquer homem normal
e me poupa ao perigo de até pela idade
me converter subitamente num sentimental




Ruy Belo. Transporte No Tempo. Introdução de Fernando Pinto do Amaral. Editorial Presença, 4ª edição, Lisboa, 1997., p. 104

Solene saudação a uma fotografia

E de novo de súbito a helena viva aqui numa fotografia
helena que ficou nesse país onde nasci e sempre fico
e fico mesmo mais sempre que ausente
helena tão discreta no recorte dos gestos
na forma de vestir no corte de cabelo
que tenta mas em vão dissimular que é bela
ou o consegue só junto de quem jamais conseguiria vê-la
ao nível exigente onde ela na verdade se situa
helena recortada contra a pedra contra o mar redondo
da baía
onde há não muito ainda e no entanto há tanto
tempo colaborámos por exemplo na exaltação do verão
e afrontámos a morte implícita no tempo
helena vertical dúctil porém em tão frágil figura
helena sorridente e inocente como uma criança
mas no fundo talvez superiormente maliciosa
milagre de mulher deus que talvez procure
por detrás de tantos rostos que se os dias me os trouxeram
me os levaram
única metafísica possível para quem volta em verdade hoje
da vida
com a concha das mãos acumulados do vazio
vindo afinal do fundo das mais várias verdades
mulher coisa mudável num momento como um mar
objecto de beleza só visível no conjunto
irredutível a uns olhos aos cabelos ao nariz
tão frágil flor que a mim há pouco forte apenas vista me
faz frágil
num tempo detergente que nos lava que nos leva quanto
tínhamos gente
helena como que translúcida e não menos transparente
do que se fosse alma esse corpo que ela totalmente é
helena natural portanto provocante
ignorante das praxes do exército
talvez por se encontrar isenta do serviço militar
helena inflecte o braço esquerdo e faz-me a continência
sem nada ó insolência na cabeça
helena que perdi e tanto mais perdi
por ter desde o início consciência de perdê-la
mulher que vi envolta pelas dobras do verão
ficar no mar sob o dossel de tule do céu azul
helena que deixei e quase nunca saudei
quando como uma folha o tempo me a levou
e me a matou à vista numa esquina ou curva
helena já definitivamente ausente quando se me apresentou
helena inacessível tanto mais se mais visível
helena inexpugnável como funda fortaleza
(lutar por encontrar imagem menos gasta em futura versão)
não só por não ter armas e ter só o mínimo de mãos
mas por ser o sorriso a sua única defesa
helena deste verão helena todo o ano
em virtude talvez de um expediente técnico por mim
desconhecido
helena perturbante e mais desconcertante
à força de nem mesmo - ingenuidade minha? - dar
por isso
helena deste outono madrileno só porque a fotografia
lhe permite sair do labirinto desse verão onde a deixei
helena assistemática e imprevisível como coisa viva
que quanto mais conheço desconheço
e nunca mais conheci melhor que quando a conheci
há anos nos distantes trás-os-montes
mais branca mesmo do que a camisola e do que a flor
da árvore (e não me lembrar eu ó diabo ou do nome
ou da forma da flor dissimulada pela cor)
plantada junto à casa onde camilo quando jovem habitou
helena que comove um homem que se isola
mais sozinho na vida que num quarto
ao fundo do comprido corredor de um casarão
onde talvez procure a protecção de muita gente nova
pois até aprendeu com thomas mann há pouco que a
velhice
é afinal a única impureza verdadeira
helena luminosa mais que a própria luz
helena que distante se me impõe
e sobressai do meio das múltiplas coisas
dispersas pelo espaço limitado por quatro paredes
helena talvez nada talvez tudo ou quase tudo
(melhor é não falar de percentagens
depois daquela viva discussão no verão)
helena ergue o braço e mais do que evitar a luz
do sol dessa intensa estação onde sei só agora que me
senti bem
helena em desafio faz-me a continência
E eu ao descobri-la ali perdida na fotografia
entre diapositivos e agendas caixas de comprimidos
botões de punho livros algodão sobre a mesa-de-cabeceira
aó consigo cumprimentá-la atrapalhadamente
com a proverbial solenidade portuguesa
tão rígida mas menos militar - bem o sabes ó salvador
tu que em mafra já és a esperança miliciana do exército
a até dispões de um pronto - do que a continência:
helena passou bem vossa excelência?



Ruy Belo. Transporte No Tempo. Introdução de Fernando Pinto do Amaral. Editorial Presença, 4ª edição, Lisboa, 1997., p. 87-89
« E pus-me a pensar se uma recordação seria algo que se tem ou se perdeu.»


Gene Rowlands - Marion


Woody Allen. Filme 'Another Woman', 1988
«Andou tanto tempo a fingir que está tudo bem, mas percebe-se claramente que anda perdida.

(...)

E é uma mulher muito inteligente, realizada. Como eu, ela...Como sabe, as emoções sempre me causaram embaraço. Fugi de homens que senti que me ameaçavam, porque a intensidade da paixão deles faz-me medo. Mas não se consegue reprimir para sempre os sentimentos profundos. Não quero é perceber, quando chegar à idade dela, que a minha vida é vazia. »


(Falas de uma mulher perturbada que perspectiva uma breve mas acutilante visão do vazio interior de uma professora de filosofia, no limiar da compreensão de si própria)



Woody Allen. Filme 'Another Woman', 1988
Agora que estou morta, sei tudo. Isto era o que eu desejava que acontecesse, mas tal como muitos dos meus desejos não se revelou verdadeiro.

Margaret Atwood. A Odisseia de Penélope. Tradução de Paula Reis. Editorial Teorema, 2006

sábado, 15 de janeiro de 2011

Terminat hora diem. Terminat Author opus.

«A hora termina o dia, o autor termina a obra.»
«Alexandre era também o nome que Homero deu a Páris, filho de Príamo, que raptou Helena de Tróia. Páris tinha-se enamorado de Enon, uma ninfa, antes de conhecer Helena; ferido durante o cerco de Tróia, foi conduzido a Enon, a única que podia curar-lhe as feridas, mas que, por despeito e ciúme, o deixou morrer, suicidando-se de seguida sobre o cadáver do amado.»
2º EST. - Todo o nosso prazer se tornou melancolia?
3º EST. - O mal vem-lhe de ser por demais solitário.


Christopher Marlowe. Doutor Fausto. Edição Bilingue. Publicações Europa-América, 2003., p.137
MEFIST. - (...) Pobre homem do mundo, seca-lhe de dor o sangue,
                         O remorso mata-o e as convulsões da mente
                   
                      
Christopher Marlowe. Doutor Fausto. Edição Bilingue. Publicações Europa-América, 2003., p.135
FAUSTO - Foi este o rosto que lançou ao mar mil barcos
                   E às imensas torres de Tróia lançou fogo?
                   Faz-me imortal com um beijo, doce Helena.
                   Sugam-me a alma os lábios dela: vede onde voa.
                   Aqui quero viver, que o Céu está nestes lábios,
                   E tudo é impuro o que não é Helena.



Christopher Marlowe. Doutor Fausto. Edição Bilingue. Publicações Europa-América, 2003., p.133

Marilyn Crucifix II, 1962

«(...) O que eu disse, filho meu, não veio da ira,
Nem da inveja, mas sim de um terno amor
E compaixão pela tua futura desdita.
Confia, pois, que a minha afável censura
Te mortifique o corpo e, assim, corrija a alma.



Christopher Marlowe. Doutor Fausto. Edição Bilingue. Publicações Europa-América, 2003., p.131
ANCIÃO - (...)

E, contudo, é digna de amor a tua alma,

Christopher Marlowe. Doutor Fausto. Edição Bilingue. Publicações Europa-América, 2003., p.129
Entram Fausto, Mefistófeles
e dois ou três estudantes


1º EST. - Senhor Doutor Fausto, depois de termos falado de mulheres formosas e de qual seria a mais bela do mundo, chegámos à conclusão de que Helena da Grécia foi a mais digna de admiração que jamais existiu; por isso, Mestre, se quisésseis fazer o favor de nos deixar contemplar essa inigualável dama grega, que todo o mundo admira pela majestade, ficaríamos muito obrigados para convosco.



Christopher Marlowe. Doutor Fausto. Edição Bilingue. Publicações Europa-América, 2003., p.129

''(...), pude atravessar as trevas primitivas que se estendiam sob o meu espírito, abrir o alçapão e ver.»

     «E a partir do momento em que vi, a minha alma começou a consolidar-se: já não se escoava numa perpétua renovação como a água; ao redor de um núcleo iluminado, condensava-se e fixava-se agora um rosto, o rosto da terra. Deixei de avançar por caminhos inconstantes, ora à direita ora à esquerda, tentando descobrir o animal de que descendia; avançava com segurança, porque conhecia o meu verdadeiro rosto e o meu único dever: trabalhar esse rosto com toda a paciência, amor e habilidade que pudesse. Transformá-lo em fogo e, se tiver tempo, antes que a Morte venha, fazer desse fogo uma luz para que a Morte nada mais encontre em mim, para levar consigo. Porque foi esta a minha maior ambição: nada deixar de mim que a Morte possa levar - alguns ossos apenas.»


Nikos Kazantzakis. Carta a Greco. Trad. Armando Pereira da Silva e Armando da Silva Carvalho. Editora Ulisseia, Lisboa, p. 22
        «Sempre que, ao ouvir as vozes secretas que em mim residem, pude seguir não o meu espírito que não tarda a perder o fôlego e a parar, mas o meu sangue, cheguei, com uma secreta certeza, à mais longínqua origem dos meus antepassados.»
 
 
 
Nikos Kazantzakis. Carta a Greco. Trad. Armando Pereira da Silva e Armando da Silva Carvalho. Editora Ulisseia, Lisboa, p. 21

“Jaipur, India” (1998)


94
Mas um velho, de aspecto venerando,
Que ficava nas praias, entre a gente,
Postos em nós os olhos, meneando
Três vezes a cabeça, descontente,
A voz pesada um pouco alevantando,
Que nós no mar ouvimos claramente,
C'um saber só de experiências feito,
Tais palavras tirou do experto peito:
95
- "Ó glória de mandar! Ó vã cobiça
Desta vaidade, a quem chamamos Fama!
Ó fraudulento gosto, que se atiça
C'uma aura popular, que honra se chama!
Que castigo tamanho e que justiça
Fazes no peito vão que muito te ama!
Que mortes, que perigos, que tormentas,
Que crueldades neles experimentas!
96
- "Dura inquietação d'alma e da vida,
Fonte de desamparos e adultérios,
Sagaz consumidora conhecida
De fazendas, de reinos e de impérios:
Chamam-te ilustre, chamam-te subida,
Sendo dina de infames vitupérios;
Chamam-te Fama e Glória soberana,
Nomes com quem se o povo néscio engana!

97
- "A que novos desastres determinas
De levar estes reinos e esta gente?
Que perigos, que mortes lhe destinas
Debaixo dalgum nome preminente?
Que promessas de reinos, e de minas
D'ouro, que lhe farás tão facilmente?
Que famas lhe prometerás? que histórias?
Que triunfos, que palmas, que vitórias?

 
Luís Vaz de Camões .Os Lusíadas, Canto IV, 94-97
«Matavam e matavam-se, sem respeitar a sua vida nem a dos outros. Amavam e desprezavam, com a mesma prodigalidade desdenhosa, a vida e a morte.»



Nikos Kazantzakis. Carta a Greco. Trad. Armando Pereira da Silva e Armando da Silva Carvalho. Editora Ulisseia, Lisboa, p. 20
«Diz-se que o Sol por vezes pára no caminho para ouvir cantar uma rapariga.»


Nikos Kazantzakis. Carta a Greco. Trad. Armando Pereira da Silva e Armando da Silva Carvalho. Editora Ulisseia, Lisboa, p. 20

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

«Perguntamo-nos se a criança tem necessidade de evasão como as criaturas de idade e batidas pelo uniforme pesadume das coisas. Por minha parte quero crer que o mundo gravita em sonho e em mistério. Cada partícula da vida encerra um conto de fadas. Não é preciso inventá-las. Os brinquedos de Nuremberga são de resto tanto mais apreciados pelos meninos quanto melhor reproduzem o real; ursos de feltro, cavalos de pau, pintainhos de lata que andam e vão bicando um imaginável grão de painço.»
 
 
 
 
Aquilino Ribeiro in Teorias do autor acerca da literatura infantil e dos seus dois livros neste género - inquérito. Romance da Raposa. Ilustrações de Benjamim Rabier.21ª edição. Bertrand Editora. Lisboa, 1961. p. 174/5

Sobre o sector da vida literária

« - Estou pouco ao corrente do que se passa neste sector da vida literária. Mas a avaliar pelas montras dos livreiros e pelos anúncios, temos messe grada. Suponho que há duas ilusões a considerar às espaldas desta actividade: que seja rendosa e que seja tarefa fácil


Aquilino Ribeiro in Teorias do autor acerca da literatura infantil e dos seus dois livros neste género - inquérito. Romance da Raposa. Ilustrações de Benjamim Rabier.21ª edição. Bertrand Editora. Lisboa, 1961. p. 171
«Os contos de fadas, a meu ver, representam um perigo, neste nosso mundo de hoje, tão realista. Prefiro predispor as crianças para a vida da luta que para o sonho e a idealidade abstracta, sem ramo em que a ave azul ponha o pé.»



Aquilino Ribeiro in Teorias do autor acerca da literatura infantil e dos seus dois livros neste género - inquérito. Romance da Raposa. Ilustrações de Benjamim Rabier.21ª edição. Bertrand Editora. Lisboa, 1961. p. 171




*Acho que uma mulher deve acalentar ser mãe, tomando para si, primeiro, estes ensinamentos da vida. Conhecer o seu sangue, antes de o fazer germinar em corpo que não se torna árvore, ou sequer, animal consciente.

Quando escreve para crianças, tem a preocupação da idade delas?

« (...) Se escrevêssemos apenas as palavras que a criança emprega e de que sabe o significado, medíocre seria o nosso modo de expressão. A leitura duma página é um aprendizado. A criança vai-se recreando e aprendendo. Uma palavra que ignora, desde que pertença, bem entendido, ao nosso glossário quotidiano, é um obstáculo que vence penetrando-lhe o sentido por intuição natural.»


Aquilino Ribeiro in Teorias do autor acerca da literatura infantil e dos seus dois livros neste género - inquérito. Romance da Raposa. Ilustrações de Benjamim Rabier.21ª edição. Bertrand Editora. Lisboa, 1961. p. 169

melífluo

'diz-se da voz, do gesto, da atitude de doçura de quem pretende insinuar-se'
« (...) O podre sendeiro estava escondido num giestal, a arfar, coberto de sangue, dizendo cobras e lagartos da sua má sorte.»


Aquilino Ribeiro. Romance da Raposa. Ilustrações de Benjamim Rabier.21ª edição. Bertrand Editora. Lisboa, 1961. p. 140/1
« - Ouça o conselho duma tola e aceite se bem achar. A água não é muita; são duas odradas, se tanto. Se nós a bebêssemos?! Tirávamos, depois, o queijo a seco...


Aquilino Ribeiro. Romance da Raposa. Ilustrações de Benjamim Rabier.21ª edição. Bertrand Editora. Lisboa, 1961. p. 136

« - Então isso é que é a peste, sua grande saca de mentiras?
   -Foi um anjo que me viu a morrer e me trouxe esta hostiazinha...
   -Também quero...
   -Se tens o coração puro, come...Mas vê lá!
   A Patifina pôs-se, sem vergonha, a manducar e, enquanto enchia o fole, reparou nos montes de ossos que havia pelos cantos, ossos velhos, brancos como a cal, ossos ainda vermelhos de sangue, ossos mal esburgados, tantos que parecia haver ali a indústria de cabos de faca e canivete. (...)»


 
Aquilino Ribeiro. Romance da Raposa. Ilustrações de Benjamim Rabier.21ª edição. Bertrand Editora. Lisboa, 1961. p. 131/2
Uma grécia secreta dorme em cada coração
na noite que precede a inevitável manhã


Ruy Belo. Transporte No Tempo. Introdução de Fernando Pinto do Amaral. Editorial Presença, 4ª edição, Lisboa, 1997., p. 83

To Helena

Acabo de inventar um novo advérbio: helenamente
A maneira mais triste de se estar contente
a de estar mais sozinho em meio de mais gente
de mais tarde saber alguma coisa antecipadamente
Emotiva atitude de quem age friamente
inalterável forma de se ser sempre diferente
maneira mais complexa de viver mais simplesmente
de ser-se o mesmo sempre e ser surpreendente
de estar num sítio tanto mais se mais ausente
e mais ausente estar se mais presente
de mais perto se estar se mais distante
de sentir mais o frio em tempo quente
O modo mais saudável de se estar doente
de se ser verdadeiro e revelar-se que se mente
de mentir muito verdadeiramente
de dizer a verdade falsamente
de se mostrar profundo superficialmente
de ser-se o mais real sendo aparente
de menos agredir mais agressivamente
de ser-se singular se mais corrente
e mais contraditório quanto mais corrente
A vida enviesada para ir-se em frente
a treda actuação de quem actua lealmente
e é tão impassível como comovente
O modo mais precário de se ser mais permanente
de tentar tanto mais quanto menos se tente
de ser pacífico e ao mesmo tempo combatente
de estar mais no passado se mais no presente
de não se ter ninguém e ter em cada homem um parente
de ser tão insensível como quem mais sente
de melhor se curvar se altivamente
de perder a cabeça mas serenamente
de tudo perdoar e todos justiçar dente por dente
de tanto desistir e de ser tão constante
de articular melhor sendo menos fluente
e fazer maior mal quando se está mais inocente
É sob aspecto frágil revelar-se resistente
é para interessar-se ser indiferente
Quando helena recusa é que consente
se tão pouco perdoa é por ser indulgente
baixa os olhos se quer ser insolente
Ninguém é tão inconscientemente consciente
tão inconsequentemente consequente
Se em tantos dons abunda é por ser indigente
e só convence assim por não ser muito convincente
e melhor fundamenta o mais insubsistente
Acabo de inventar um novo advérbio: helenamente
O mar a terra o fumo a pedra simultaneamente



Ruy Belo. Transporte No Tempo. Introdução de Fernando Pinto do Amaral. Editorial Presença, 4ª edição, Lisboa, 1997., p. 75/6
Mãos humanas aqui matam a morte


Ruy Belo. Transporte No Tempo. Introdução de Fernando Pinto do Amaral. Editorial Presença, 4ª edição, Lisboa, 1997., p. 70

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

«Estou desesperado como um rato, torturado por dores de cabeça e insónia; a maneira como passo os meus dias ultrapassa qualquer descrição. »


Franz Kafka

A metamorfose

Entende-se no enredo kafkiano, a metamorfose, não como uma transformação de ordem física ou metáfora de estados do ser, mas, sim, como uma representação de uma situação limite que coloca o corpo social sujeito à desumanização, aniquilamento, um desaparecimento bárbaro, que também no limite, retrata a família numa face trágica e desoladora. 

A necessidade de um quarto.

Nas suas cartas a Felice, Kafka, falava da sua absoluta necessidade do silêncio para o exercício da escrita; o de fechar-se no seu quarto, pela altas horas da madrugada, quando já não se ouvem numa casa habitada por pessoas, os barulhos monótomos e comuns, sendo que, à medida que a noite avança eles diminuem até se apagarem totalmente no silêncio.
Por instantes sou eu ninguém morreu aqui
 
 
Ruy Belo. Transporte No Tempo. Introdução de Fernando Pinto do Amaral. Editorial Presença, 4ª edição, Lisboa, 1997., p. 32

Súplica

O outono demora-se no mundo
A juventude há muito despediu
a primavera da primeira ave
Respiro as lágrimas das raparigas
recordo-me do seu odor nocturno
Escuto o movimento lento da ramada
esqueci a escada habitual do dia-a-dia
a cortina da chuva corre-se de novo
Nesta manhã de outono alviões da vida
murmuram-nos mulheres minuciosas
O ombro da colina ergue o nevoeiro
na madrugada não cantaram os melros
A areia bebe cheia a chuva enquanto
nós infinitamente nos distanciamos
de quanto - diz a santa - desejamos
Aonde está a mãe da minha infância?
Talvez com ela tudo começasse
É nos fins do verão alguém morreu
foi-se a ferocidade das cigarras
no caminho das tílias percorridas
Deixo cair as mãos pois nem sempre me restam essas
aves do mar que a tempestade impele
em tempo de equinócio para a costa
É o cabo do mundo é o fim do ano
a era perfeita da culpabilidade
Respiro já os meus últimos dias
Sobre este céu nenhuma ave adeja
Que a terra humedecida me proteja



Ruy Belo. Transporte No Tempo. Introdução de Fernando Pinto do Amaral. Editorial Presença, 4ª edição, Lisboa, 1997., p. 27

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Não comia a eito as espigas

«Não comia a eito as espigas, não; apenas aquelas que mais gradas se mostrassem; também não as comia vestidas como se vêem na haste, mas depois de as descamisar, operação em que era mais hábil e mais ligeira que as raparigas nas esfolhadas. E voltava sempre a lamber o beiço, que gostoso para ela como o milho em verde nem ginjas, uvas maduras, ou passas caídas ao chão das cerejeiras.»



Aquilino Ribeiro. Romance da Raposa. Ilustrações de Benjamim Rabier.21ª edição. Bertrand Editora. Lisboa, 1961. p. 120
«-Ora lá vem esta minha princesa com as suas birras. Sempre queria saber que mal lhe fiz eu?
-A mim, nenhum; mas o traste que você é, sabe-o este mundo e o outro.»


Aquilino Ribeiro. Romance da Raposa. Ilustrações de Benjamim Rabier.21ª edição. Bertrand Editora. Lisboa, 1961. p. 114

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

«Entardecia. O sol tombava por trás dos cabeços, e era como rosa amarela a emurchecer depois duma batalha de flores.



Aquilino Ribeiro. Romance da Raposa. Ilustrações de Benjamim Rabier.21ª edição. Bertrand Editora. Lisboa, 1961. p. 97

Se queres, ensino-te...

«-Ná, ná, que vossemecê faz-me alguma das suas...
-Ó filho, varre-me tão negras ideias do entendimento. Não faço mal a uma mosca. Tomara eu que me deixassem!


Aquilino Ribeiro. Romance da Raposa. Ilustrações de Benjamim Rabier.21ª edição. Bertrand Editora. Lisboa, 1961. p. 95
«Mas não há bem que sempre dure e tristemente acabou aquela fartura de sangue morno e carne fresca a palpitar.»


Aquilino Ribeiro. Romance da Raposa. Ilustrações de Benjamim Rabier.21ª edição. Bertrand Editora. Lisboa, 1961. p. 88

VI

«Estava a romper o dia. A névoa que pousava sobre a ribeira esfarrapava-se, e pela planície iam flutuando fiapos, brancos e mansos como gansos a voejar à flor dum lago. Já se ouvia o canto madrugador da cotovia, mas no céu, para bandas do Norte, faiscava ainda a estrela da manhã, como dália de oiro num açafate de prata.»


Aquilino Ribeiro. Romance da Raposa. Ilustrações de Benjamim Rabier.21ª edição. Bertrand Editora. Lisboa, 1961. p. 77

“Numa mão sempre a espada e noutra a pena”

"a Arte é longa, o Tempo é curto."

Charles Baudelaire
Doente o espírito que carrega a escuridão da seara
"O tédio", escreve Benjamin, "é o lado externo dos acontecimentos inconscientes''.


Walter Benjamin. ''O Tédio, Eterno retorno". Passagens. Op. cit.: 146.

"antes a barbárie que o tédio"

Gautier
«Ao escrever, mato-me e mato.»


Ruy Belo. Transporte No Tempo. Introdução de Fernando Pinto do Amaral. Editorial Presença, 4ª edição, Lisboa, 1997., p. 19
«Escrevo como vivo, como amo, destruindo-me.»


Ruy Belo. Transporte No Tempo. Introdução de Fernando Pinto do Amaral. Editorial Presença, 4ª edição, Lisboa, 1997., p. 19
«Mas, ao escrever, dou à terra, que para mim é tudo, um pouco do que é da terra. Nesse sentido, escrever é para mim morrer um pouco, antecipar um regresso definitivo à terra.»


Ruy Belo. Transporte No Tempo. Introdução de Fernando Pinto do Amaral. Editorial Presença, 4ª edição, Lisboa, 1997., p. 19

Je brûle avec mon âme et mon sang rougissant

Je brûle avec mon âme et mon sang rougissant
Cent amoureux sonnets donnés pour mon martyre,
Si peu de mes langueurs qu'il m'est permis d'écrire
Soupirant un Hécate, et mon mal gémissant.

Pour ces justes raisons, j'ai observé les cent :
A moins de cent taureaux on ne fait cesser l'ire
De Diane en courroux, et Diane retire
Cent ans hors de l'enfer les corps sans monument.

Mais quoi ? puis-je connaître au creux de mes hosties,
A leurs boyaux fumants, à leurs rouges parties
Ou l'ire, ou la pitié de ma divinité ?

Ma vie est à sa vie, et mon âme à la sienne,
Mon coeur souffre en son coeur. La Tauroscytienne
Eût son désir de sang de mon sang contenté.

Théodore Agrippa d' Aubigné

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

A l'éclair violent de ta face divine

A l'éclair violent de ta face divine,
N'étant qu'homme mortel, ta céleste beauté
Me fit goûter la mort, la mort et la ruine
Pour de nouveau venir à l'immortalité.

Ton feu divin brûla mon essence mortelle,
Ton céleste m'éprit et me ravit aux Cieux,
Ton âme était divine et la mienne fut telle :
Déesse, tu me mis au rang des autres dieux.

Ma bouche osa toucher la bouche cramoisie
Pour cueillir, sans la mort, l'immortelle beauté,
J'ai vécu de nectar, j'ai sucé l'ambroisie,
Savourant le plus doux de la divinité.

Aux yeux des Dieux jaloux, remplis de frénésie,
J'ai des autels fumants comme les autres dieux,
Et pour moi, Dieu secret, rougit la jalousie
Quand mon astre inconnu a déguisé les Cieux.

Même un Dieu contrefait, refusé de la bouche,
Venge à coups de marteaux son impuissant courroux,
Tandis que j'ai cueilli le baiser et la couche
Et le cinquième fruit du nectar le plus doux.

Ces humains aveuglés envieux me font guerre,
Dressant contre le ciel l'échelle, ils ont monté,
Mais de mon paradis je méprise leur terre
Et le ciel ne m'est rien au prix de ta beauté.


Théodore Agrippa d' Aubigné

Vous qui avez écrit qu'il n'y a plus en terre

Vous qui avez écrit qu'il n'y a plus en terre
De nymphe porte-flèche errante par les bois,
De Diane chassante, ainsi comme autrefois
Elle avait fait aux cerfs une ordinaire guerre,

Voyez qui tient l'épieu ou échauffe l'enferre ?
Mon aveugle fureur, voyez qui sont ces doigts
D'albâtre ensanglantés, marquez bien le carquois,
L'arc et le dard meurtrier, et le coup qui m'atterre,

Ce maintien chaste et brave, un cheminer accort.
Vous diriez à son pas, à sa suite, à son port,
A la face, à l'habit, au croissant qu'elle porte,

A son oeil qui domptant est toujours indompté,
A sa beauté sévère, à sa douce beauté,
Que Diane me tue et qu'elle n'est pas morte.


Théodore Agrippa d' Aubigné

Les princes n'ont point d'yeux pour voir ces grand's merveilles,
Leurs mains ne servent plus qu' à nous persécuter . . .


(Agrippa D' Aubigné: À Dieu)
«Mas agora, sob as torturas da sede, até as próprias recordações lhe pesavam.»


Aquilino Ribeiro. Romance da Raposa. Ilustrações de Benjamim Rabier.21ª edição. Bertrand Editora. Lisboa, 1961. p. 60

o lobo postou-se de sentinela. «À certa - malucava ele - que a raposa também há-de vir à fonte, que à sede ninguém resiste.»

«Uma tarde o sol foi tão abrasador que a raposinha, cheia de aflição, deitou a correr a um colmeal a molhar a boca no mel. Tombou um cortiço, porém as abelhas deram sobre ela feras e encarniçadas. E o que lhe valeu foi atirar-se ao chão e rebolar-se, rebolar-se muitas vezes até esmagar umas, amachucar outras, cansá-las a todas. Voltou, depois, ao cortiço; saíram novas abelhas a acometê-la. E, segunda, terceira vez, se rojou pelo solo. Ao cabo de alguns ataques e contra-ataques, pôde finalmente chupar os favos em paz, que o enxame perdera a ralé, destroçado. Lambendo o mel, que lhe soube como a melhor canja, notou quanto era grosso e pegajento; e, notando quanto era grosso e pegajento, a ideia do ardil providencial nasceu em sua alma sequiosa. (...)»



Aquilino Ribeiro. Romance da Raposa. Ilustrações de Benjamim Rabier.21ª edição. Bertrand Editora. Lisboa, 1961. p. 52/3
« - Fazeis-me pena, ó bichos destas falperras! Fazeis-me pena e por isso quero falar-vos a verdade verdadeira. Se o lobo é lobo, eu sou urso e neste mundo apenas tenho medo do húngaro e de mais ninguém. A Salta-Pocinhas foi trapaceira? Foi, que enganou o lobo. A Salta-Pocinhas foi lambisqueira? Foi, que bifou a fressura ao lobo. A Salta-Pocinhas assassinou? Alto aí. Quem assassinou o teixugo foi o lobo, que tem mais de bruto que de astuto, e é por igual grotesco e barbaresco, pirata e patarata, caprichoso e maldoso. Arrancai a língua à raposa, o coração e os miolos ao lobo, frigi tudo e deitai-o aos cães se quereis viver em paz.»


Aquilino Ribeiro. Romance da Raposa. Ilustrações de Benjamim Rabier.21ª edição. Bertrand Editora. Lisboa, 1961. p. 47
« - Morra e esfole-se quem é a vergonha da nossa raça!»


Aquilino Ribeiro. Romance da Raposa. Ilustrações de Benjamim Rabier.21ª edição. Bertrand Editora. Lisboa, 1961. p. 47

La cruz

LXVIII

-De facto, não é coisa que me interesse muito - disse o gato.
-Fazes mal - disse o rato. - Ainda estou novo, e até este momento tenho sido bem alimentado.
-Eu cá também ando bem alimentado - disse o gato - e isso não faz com que eu sinta vontade de me suicidar. Estás portanto a ver por que é que eu acho essa coisa anormal.
-É porque o não viste a ele - disse o rato.
-O que é que ele fez? - perguntou o gato.
Não tinha grande vontade de sabê-lo. Sentia calor e todos os seus pêlos muito elásticos.
-Está à beira da água - disse o rato -; está à espera, e no momento exacto anda e pára no meio da prancha. Fica a ver uma coisa qualquer.
-Não pode ver grande coisa - disse o gato. - Só se for um nenúfar.
-Sim - disse o rato. -E espera que ele suba para o matar.
-É idiota - disse o gato. - É uma coisa sem interesse.
-Depois de esse momento passar - continuou o rato -, volta para a margem e olha para a fotografia.
-Nunca come? - perguntou o gato.
-Nunca - disse o rato. - Está a ficar muito fraco, e não consigo suportá-lo. Um dia destes ainda vai dar um passo em falso quando passar na prancha.
-E o que tens tu a ver com isso? - perguntou o gato. -Ele, sente-se, por acaso, infeliz?...
-Não se sente infeliz - respondeu o rato -, sofre. É o que eu não consigo suportar. E depois vai acabar por cair na água, por se debruçar de mais.
-Sendo assim - disse o gato -, quero prestar-te o serviço; mas não sei porque digo «sendo assim», uma vez que eu não compreendo nada.
-És formidável - disse o rato.
-Mete a cabeça na minha boca e espera - disse o gato.
-Vai demorar muito tempo? - perguntou o rato.
-O tempo de alguém me pisar o rabo - disse o gato.- Tenho de ter reflexos rápidos. Mas vou deixá-lo bem estendido, não tenhas medo.
O rato afastou as mandíbulas do gato e meteu a cabeça entre os seus dentes afiados. Logo a seguir retirou-a.
-Diz-me cá - perguntou -, hoje de manhã comeste tubarão?
-Ouve - disse o gato - , se não te agrada podes pôr-te a mexer. Esses truques não me impressionam. Desenrasca-te sozinho.
Parecia aborrecido.
-Não te zangues - disse o rato.
Fechou os pequenos olhos pretos e pôs a cabeça em posição. Cauteloso, o gato encostou os caninos acerados ao pescoço cinzento e delicado. Os bigodes pretos do rato misturaram-se com os seus. Desenrolou a cauda felpuda e deixou-se estender no passeio.
   Aproximavam-se, a cantar, onze rapariguinhas cegas do Orfanato Júlio o Apostólico.



Memphis, 8 de Março de 1946
Davenport, 10 de Março de 1946.



Boris Vian. A Espuma dos Dias. Tradução revista, apresentação e notas de Aníbal Fernandes. Relógio D'Água, 2001, p. 106-208
«Ergueu a toalha. Havia na carreta doze canos de aço azul e frio; na extremidade de cada um deles desabrochava uma bonita rosa branca e fresca, sombreada de bege no côncavo das pétalas aveludadas.
-Oh!... - murmurou Colin. - Como são belas!...
O homem não dizia nada. Tossiu duas vezes.
- Não vale a pena continuar amanhã o seu trabalho - disse hesitante.
Os dedos agarravam-se nervosamente à borda da carreta.
-Posso colhê-las? - perguntou Colin. - Para a Chloé.
-Se as separar do aço murcham - disse o homem. - São de aço, como sabe...
- Não é possível - disse Colin.
Agarrou com delicadeza numa rosa e tentou quebrar-lhe o pé. A um movimento desastrado uma das pétalas fez-lhe um golpe com vários centímetros de comprimento. A mão sangrava com pulsações lentas, grandes golfadas de sangue escuro que ele chupava com um ar absorto. Olhava para a pétala branca, marcada por um crescente vermelho, e o homem bateu-lhe no ombro empurrando-o suavemente em direcção à porta.»


Boris Vian. A Espuma dos Dias. Tradução revista, apresentação e notas de Aníbal Fernandes. Relógio D'Água, 2001, p. 175/6
« - Ó meu rico senhor, tenha dó! Ando mirradinha de fome! Já nem me recorda que engolisse um escravelhinho...
     O bicho não respondeu; mas, sempre à espreita, viu-lhe a Salta-Pocinhas abrir as pálpebras, sacudir as orelhas, soprar, fungar, coriscar lume das pupilas verdes, dando em tudo sinal de incomodado. E renovou a cantilena:
-Ó meu rico senhor!
-Qual rico senhor, nem qual diabo! - regougou afinal D. Salamurdo. - Não tenho nada que dar, mas, tivesse eu galinhas ou patas aos montes, sob pena de para aí apodrecerem, não eram para você que vem empestar-me a casa. Apre, quando tiver de pedir esmola a portas de certa teoria, lave-se primeiro, trate de desencardir-se da catinga, que fede à légua!» 



Aquilino Ribeiro. Romance da Raposa. Ilustrações de Benjamim Rabier.21ª edição. Bertrand Editora. Lisboa, 1961. p. 29/30

Salta-Pocinhas

«Cheirando aqui um provável rasto, furando além por uma brenha, por muito breve que fairasse, por mais subtil que andasse, giestas, urgueiras, pinheiros novos sacudiam-lhe o rocio para o focinho, brincadeira dispensável. Cuidadoso e lesto era o seu caçar, tão cuidadoso e lesto que não chegava a acordar o chão em que punha o pé, mas lá de descobrir láparo embezerrado no meio dum tojo, rã a coaxar no charco, besouro, que fosse, a tocar o rabecão, andava com tão pouca sorte que nem que a tivessem enguiçado olhos de feiticeira.»


Aquilino Ribeiro. Romance da Raposa. Ilustrações de Benjamim Rabier.21ª edição. Bertrand Editora. Lisboa, 1961. p. 18/9

domingo, 9 de janeiro de 2011

No Camino de Dios ficou o Chihuila

   «Corremos tudo o que podíamos. No Camino de Dios ficou o Chihuila, acaçapado atrás de um medronheiro, com a manta enrolada no pescoço, como se estivesse a defender-se do frio. Ficou a olhar-nos quando corríamos cada um para seu lado para dividirmos a morte. E ele parecia rir-se de nós, com os seus dentes descarnados, coloridos de sangue.
      Aquele desconcerto que nos aconteceu foi bom para muitos; mas a outros correu-lhes mal. Era raro que não víssemos pendurado pelos pés algum dos nossos em qualquer pau de algum caminho. Ali permaneciam até que se faziam velhos e se retorciam como couros para curtir. Os urubus comiam-nos por dentro, tirando-lhe as tripas, até deixar só a casca. E como os penduravam alto, ali estavam eles bamboleando-se ao sopro do ar durante muitos dias, às vezes meses, às vezes já só as tiras penduradas das calças meneando-se ao vento, como se alguém as tivesse posto a secar ali. E uma pessoa sentia que as coisas agora eram a sério, ao ver aquilo.»


Juan Rulfo. O Llano em chamas in Obra Reunida. Trad. Rui Lagartinho, Sofia Castro Rodrigues, Virgílio Tenreiro Viseu. Cavalo de ferro.1ª ed., 2010, p. 220
«Sentíamos  aqueles seus olhos bem abertos, que não dormiam e que estavam acostumados a ver de noite e a conhecer-nos na escuridão.»


Juan Rulfo. O Llano em chamas in Obra Reunida. Trad. Rui Lagartinho, Sofia Castro Rodrigues, Virgílio Tenreiro Viseu. Cavalo de ferro.1ª ed., 2010, p. 218

German soldier watches Ukrainian civilians drag a Jew down a street in Lvov. Poland, July 1941.

«Mas nós também lhes tínhamos medo. Era digno de se ver como se nos engasgavam os tomates na garganta só com ouvir o barulho das suas guarnições ou as ferraduras dos seus cavalos a golpearem as pedras de algum caminho, onde os esperávamos para lhes armar alguma emboscada. Ao vê-los passar, quase sentíamos que nos olhavam de esguelha como dizendo: «Já os farejamos, apenas nos estamos a fazer dissimulados.»



Juan Rulfo. O Llano em chamas in Obra Reunida. Trad. Rui Lagartinho, Sofia Castro Rodrigues, Virgílio Tenreiro Viseu. Cavalo de ferro.1ª ed., 2010, p. 214
«Muito antes de chegarmos a San Buenaventura demo-nos conta de que os ranchos estavam a arder. Das tulhas da fazenda alçava-se mais alta a labareda, como se se estivesse a queimar um charco de aguarrás. As faíscas voavam e enroscavam-se na escuridão do céu, formando grandes nuvens alumiadas.
   Continuámos caminhando em frente, encandeados pela luminária de San Buenaventura, como se alguma coisa nos dissesse que o nosso trabalho era estar ali, para acabar com o que restasse.
   Mas ainda não tínhamos conseguido chegar quando encontrámos os primeiros a cavalo, que vinham a trote, com a soga amarrada na cabeça da sela e puxando uns homens com os pés atados que, de vez em quando, até caminhavam sobre as mão, e outros homens aos quais já tinham caído as mãos e que traziam a cabeça dependurada.»


Juan Rulfo. O Llano em chamas in Obra Reunida. Trad. Rui Lagartinho, Sofia Castro Rodrigues, Virgílio Tenreiro Viseu. Cavalo de ferro.1ª ed., 2010, p. 212
«Tencionávamos deixar passar os anos para depois voltar ao mundo, quando já ninguém se lembrasse de nós.»


Juan Rulfo. O Llano em chamas in Obra Reunida. Trad. Rui Lagartinho, Sofia Castro Rodrigues, Virgílio Tenreiro Viseu. Cavalo de ferro.1ª ed., 2010, p. 211

sábado, 8 de janeiro de 2011

«Olhavam para as paredes. Em compridas prateleiras de cobre com pátina estavam alinhados frascos que continham espécies simples e medicamentos soberanos. O último frasco de cada fila emitia uma fluorescência compacta. Num recipiente cónico de vidro espesso e corroído, girinos tumefactos rodavam em espiral descendente até atingir o fundo e depois voltavam a subir como uma flecha até à superfície, retomando a rotação excentrada e deixando atrás de si um rasto esbranquiçado de água densa. Ao lado, no fundo de um aquário com vários metros de comprido, o vendedor instalara um banco de ensaio para rãs com órgão de boca, e algumas delas jaziam aqui e além, inutilizáveis, com os quatro corações ainda a bater debilmente.»



Boris Vian. A Espuma dos Dias. Tradução revista, apresentação e notas de Aníbal Fernandes. Relógio D'Água, 2001, p. 116
«Chloé parou para brincar com um montículo de neve.
Suaves e frios, os flocos mantinham-se brancos e não derretiam.
-Vê como é bonita - disse ela a Colin.
Debaixo da neve havia primaveras, miosótis e papoilas.
-Pois é - disse Colin - mas fazes mal em agarrar nela. Vais ter frio.
-Oh! não! - disse Chloé, começando a tossir como um tecido de seda que se rasga.
-Querida Chloé - disse Colin rodeando-a com os braços - não tussas desse modo que me entristeces!
Largou a neve, que caiu lentamente como penugem e voltou a brilhar o sol.
-Não gosto desta neve - murmurou Nicolas.
Emendou logo:
-Peço desculpa, senhor, pela liberdade da linguagem.
Colin descalçou um sapato e atirou-o à cara de Nicolas, que se baixou para esfregar uma pequena nódoa das calças e levantou ao som de um vidro quebrado.
-Oh! Senhor!... - disse com um ar de censura - é a janela do seu quarto!...
- Pois tanto pior! - disse Colin. - Vamos ficar mais arejados....Além disso, talvez te ensine a não falar como um idiota....
Ajudado por Chloé, dirigiu-se a pé-coxinho para a porta do hotel. A vidraça partida começava a crescer. Nas bordas do caixilho ia-se formando uma placa fina e opalescente irisada por vagos reflexos, com tonalidades pálidas, furta-cores.»



Boris Vian. A Espuma dos Dias. Tradução revista, apresentação e notas de Aníbal Fernandes. Relógio D'Água, 2001, p. 88/9

no começo do capítulo XXIV

       O grande automóvel branco, abria, cauteloso, um caminho nos trilhos da estrada. Sentados atrás, Colin e Chloé olhavam para a paisagem com um certo mal-estar. O céu estava baixo, pássaros vermelhos voavam ao rés dos fios telegráficos subindo e descendo como eles, e o seu piar áspero reflectia-se na água plúmbea dos charcos.


Boris Vian. A Espuma dos Dias. Tradução revista, apresentação e notas de Aníbal Fernandes. Relógio D'Água, 2001, p. 82

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

«Durmo, desperto, torno a dormir, torno a despertar, miserável existência.
Quando reflicto sobre isso, é-me preciso confessar que a minha educação foi-me prejudicial em muitas coisas por diversos motivos. Entretanto, não fui educado em qualquer retiro afastado, em qualquer ruína nas montanhas. (...) Essa queixa dirige-se contra uma quantidade de pessoas, a saber: os meus pais, alguns membros de minha família, alguns daqueles que frequentavam a nossa casa, vários escritores, uma determinada cozinheira que, por todo um ano, ia levar-me à escola (...).»


Kafka. Diários, s/data, p. 13
«Ao tacto, o pavilhão da minha orelha parecia fresco, agreste,
 frio e enrugado como uma folha. Escrevo isto com toda
certeza obrigado pelo desespero que me causam o meu corpo
 e o porvir deste corpo. »


Franz Kafka

A longs filets de sang ce lamentable corps

A longs filets de sang ce lamentable corps
Tire du lieu qu'il fuit le lien de son âme,
Et séparé du coeur qu'il a laissé dehors,
Dedans les forts liens et aux mains de sa dame,
Il s'enfuit de sa vie et cherche mille morts.

Plus les rouges destins arrachent loin du coeur
Mon estomac pillé, j'épanche mes entrailles
Par le chemin qui est marqué de ma douleur.
La beauté de Diane ainsi que des tenailles
Tirent l'un d'un côté, l'autre suit le malheur.

Qui me voudra trouver détourne par mes pas,
Par les buissons rougis, mon corps de place en place,
Comme un vaneur baissant la tête contre bas
Suit le sanglier blessé aisément à la trace,
Et le poursuit à l'oeil jusqu'au lieu du trépas.

Diane, qui voudra me poursuivre en mourant,
Qu'on écoute les rocs résonner mes querelles,
Qu'on suive pour mes pas de larmes un torrent,
Tant qu'on trouve séché de mes peines cruelles
Un coffre, ton portrait, et rien au demeurant.

Les champs sont abreuvés après moi de douleurs,
Le souci, l'encolie, et les tristes pensées
Renaissent de mon sang et vivent de mes pleurs,
Et des cieux les rigueurs contre moi courroucées
Font servir mes soupirs à éventer ses fleurs.

Un bandeau de fureur épais presse mes yeux
Qui ne discernent plus le danger ni la voie,
Mais ils vont effrayant de leur regard les lieux
Où se trame ma mort, et ma présence effraie
Ce qu'embrassent la terre et la voûte des cieux. [...]


Théodore Agrippa d' Aubigné

Épitaphe

Il a vécu tantôt gai comme un sansonnet,
Tour à tour amoureux insoucieux et tendre,
Tantôt sombre et rêveur comme un triste Clitandre.
Un jour il entendit qu'à sa porte on sonnait.

C'était la Mort ! Alors il la pria d'attendre
Qu'il eût posé le point à son dernier sonnet ;
Et puis sans s'émouvoir, il s'en alla s'étendre
Au fond du coffre froid où son corps frissonnait.

Il était paresseux, à ce que dit l'histoire,
Il laissait trop sécher l'encre dans l'écritoire.
Il voulait tout savoir mais il n'a rien connu.

Et quand vint le moment où, las de cette vie,
Un soir d'hiver, enfin l'âme lui fut ravie,
Il s'en alla disant : " Pourquoi suis-je venu ? "


Gérard de Nerval

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

É com uma ironia melancólica, avô, que turvadas imagens me chegam aos olhos. Nunca estive tão cansada cá dentro, nunca houve dias em que me sentisse tão fora deste rio (mundo?). Sento-me nas margens, e olho os pássaros que rasgam pelos céus, escurecidos pelas nuvens de fria tempestade. Tenho-os visto, amiúde, sentindo-lhes a vertigem das asas, do voo sem fim (e, sem princípio?). Olho e escureço. E a solidão, passeia, como uivo, preso ao rasgo de um saia com flores primaveris, que sem querer, semeia o movimento de memórias e ruínas. Lembro-me daquele que tinha a palavra no espírito, mas acções tão cegas de afeição; e vejo, sim vejo, aqueloutro que entre arbustos diz esconder-se, mas é apenas caruma nos grandes adornos. Tanto peso do gelo sobre os ramos das árvores; tanto ouro e tantas máscaras ímpias, apenas me entristecem. Fixo o branco das flores de Chloé. Esse branco húmido na prisão onde acordei depois de pensar-me na morte. Foram talvez as lágrimas de sangue que mais me marcaram e, recordo-te, sempre que a madrugada me aleita a insónia. Tantas vezes peço, estremeço, por um eco teu e, entregue aos alguéns e ninguéns de mim mesma, procuro viver com o luto (aqueles que cá ficam presos à infinita espera). E é tudo uma ironia tão amarga!  Permanecer no mundo com a saudade da tua ausência.

Le malheur

Suivi du Suicide impie,
A travers les pâles cités,
Le Malheur rôde, il nous épie,
Prés de nos seuils épouvantés.
Alors il demande sa proie ;
La jeunesse, au sein de la joie,
L'entend, soupire et se flétrit ;
Comme au temps où la feuille tombe,
Le vieillard descend dans la tombe,
Privé du feu qui le nourrit.

Où fuir ? Sur le seuil de ma porte
Le Malheur, un jour, s'est assis ;
Et depuis ce jour je l'emporte
A travers mes jours obscurcis.
Au soleil et dans les ténèbres,
En tous lieux ses ailes funèbres
Me couvrent comme un noir manteau ;
De mes douleurs ses bras avides
M'enlacent ; et ses mains livides
Sur mon coeur tiennent le couteau.

J'ai jeté ma vie aux délices,
Je souris à la volupté ;
Et les insensés, mes complices
Admirent ma félicité.
Moi-même, crédule à ma joie,
J'enivre mon coeur, je me noie
Aux torrents d'un riant orgueil ;
Mais le Malheur devant ma face
A passé : le rire s'efface,
Et mon front a repris son deuil.

En vain je redemande aux fêtes
Leurs premiers éblouissements,
De mon coeur les molles défaites
Et les vagues enchantements :
Le spectre se mêle à la danse ;
Retombant avec la cadence,
Il tache le sol de ses pleurs,
Et de mes yeux trompant l'attente,
Passe sa tête dégoûtante
Parmi des fronts ornés de fleurs.

Il me parle dans le silence,
Et mes nuits entendent sa voix ;
Dans les arbres il se balance
Quand je cherche la paix des bois.
Près de mon oreille il soupire;
On dirait qu'un mortel expire :
Mon coeur se serre épouvanté.
Vers les astres mon oeil se lève,
Mais il y voit pendre le glaive
De l'antique fatalité.

Sur mes mains ma tête penchée
Croit trouver l'innocent sommeil.
Mais, hélas ! elle m'est cachée,
Sa fleur au calice vermeil.
Pour toujours elle m'est ravie,
La douce absence de la vie ;
Ce bain qui rafraîchit les jours ;
Cette mort de l'âme affligée,
Chaque nuit à tous partagée,
Le sommeil m'a fui pour toujours

Ah ! puisqu'une éternelle veille
Brûle mes yeux toujours ouverts,
Viens, ô Gloire ! ai-je dit ; réveille
Ma sombre vie au bruit des vers.
Fais qu'au moins mon pied périssable
Laisse une empreinte sur le sable.
La Gloire a dit : "Fils de douleur,
"Où veux-tu que je te conduise ?
"Tremble ; si je t'immortalise,
"J'immortalise le Malheur."

Malheur ! oh ! quel jour favorable
De ta rage sera vainqueur ?
Quelle main forte et secourable
Pourra t'arracher de mon coeur,
Et dans cette fournaise ardente,
Pour moi noblement imprudente,
N'hésitant pas à se plonger,
Osera chercher dans la flamme,
Avec force y saisir mon âme,
Et l'emporter loin du danger ?


Alfred de Vigny

Le Mont des Oliviers

I


Alors il était nuit et Jésus marchait seul,
Vêtu de blanc ainsi qu'un mort de son linceul ;
Les disciples dormaient au pied de la colline.
Parmi les oliviers qu'un vent sinistre incline
Jésus marche à grands pas en frissonnant comme eux ;
Triste jusqu'à la mort; l'oeil sombre et ténébreux,
Le front baissé, croisant les deux bras sur sa robe
Comme un voleur de nuit cachant ce qu'il dérobe ;
Connaissant les rochers mieux qu'un sentier uni,
Il s'arrête en un lieu nommé Gethsémani :
Il se courbe, à genoux, le front contre la terre,
Puis regarde le ciel en appelant : Mon Père !
- Mais le ciel reste noir, et Dieu ne répond pas.
Il se lève étonné, marche encore à grands pas,
Froissant les oliviers qui tremblent. Froide et lente
Découle de sa tête une sueur sanglante.
Il recule, il descend, il crie avec effroi :
Ne pouviez-vous prier et veiller avec moi !
Mais un sommeil de mort accable les apôtres,
Pierre à la voix du maître est sourd comme les autres.
Le fils de l'homme alors remonte lentement.
Comme un pasteur d'Egypte il cherche au firmament
Si l'Ange ne luit pas au fond de quelque étoile.
Mais un nuage en deuil s'étend comme le voile
D'une veuve et ses plis entourent le désert.
Jésus, se rappelant ce qu'il avait souffert
Depuis trente-trois ans, devint homme, et la crainte
Serra son coeur mortel d'une invincible étreinte.
Il eut froid. Vainement il appela trois fois :
MON PÈRE ! - Le vent seul répondit à sa voix..
Il tomba sur le sable assis et, dans sa peine,
Eut sur le monde et l'homme une pensée humaine.
- Et la Terre trembla, sentant la pesanteur
Du Sauveur qui tombait aux pieds du créateur.

II

Jésus disait : " Ô Père, encor laisse-moi vivre !
Avant le dernier mot ne ferme pas mon livre !
Ne sens-tu pas le monde et tout le genre humain
Qui souffre avec ma chair et frémit dans ta main ?
C'est que la Terre a peur de rester seule et veuve,
Quand meurt celui qui dit une parole neuve ;
Et que tu n'as laissé dans son sein desséché
Tomber qu'un mot du ciel par ma bouche épanché.
Mais ce mot est si pur, et sa douceur est telle,
Qu'il a comme enivré la famille mortelle
D'une goutte de vie et de Divinité,
Lorsqu'en ouvrant les bras j'ai dit : FRATERNITE !

- Père, oh ! si j'ai rempli mon douloureux message,
Si j'ai caché le Dieu sous la face du Sage,
Du Sacrifice humain si j'ai changé le prix,
Pour l'offrande des corps recevant les esprits,
Substituant partout aux choses le Symbole,
La parole au combat, comme au trésor l'obole,
Aux flots rouges du Sang les flots vermeils du vin,
Aux membres de la chair le pain blanc sans levain ;
Si j'ai coupé les temps en deux parts, l'une esclave
Et l'autre libre ; - au nom du Passé que je lave
Par le sang de mon corps qui souffre et va finir :
Versons-en la moitié pour laver l'avenir !


Père Libérateur ! jette aujourd'hui, d'avance,
La moitié de ce Sang d'amour et d'innocence
Sur la tête de ceux qui viendront en disant :
"Il est permis pour tous de tuer l'innocent."
Nous savons qu'il naîtra, dans le lointain des âges,
Des dominateurs durs escortés de faux Sages
Qui troubleront l'esprit de chaque nation
En donnant un faux sens à ma rédemption. -
Hélas ! je parle encor que déjà ma parole
Est tournée en poison dans chaque parabole ;
Eloigne ce calice impur et plus amer
Que le fiel, ou l'absinthe, ou les eaux de la mer.
Les verges qui viendront, la couronne d'épine,
Les clous des mains, la lance au fond de ma poitrine,
Enfin toute la croix qui se dresse et m'attend,
N'ont rien, mon Père, oh ! rien qui m'épouvante autant !
- Quand les Dieux veulent bien s'abattre sur les mondes,
Es n'y doivent laisser que des traces profondes,
Et si j'ai mis le pied sur ce globe incomplet
Dont le gémissement sans repos m'appelait,
C'était pour y laisser deux anges à ma place
De qui la race humaine aurait baisé la trace,
La Certitude heureuse et l'Espoir confiant
Qui dans le Paradis marchent en souriant.
Mais je vais la quitter, cette indigente terre,
N'ayant que soulevé ce manteau de misère
Qui l'entoure à grands plis, drap lugubre et fatal,
Que d'un bout tient le Doute et de l'autre le Mal.

Mal et Doute ! En un mot je puis les mettre en poudre ;
Vous les aviez prévus, laissez-moi vous absoudre
De les avoir permis. - C'est l'accusation
Qui pèse de partout sur la Création !
- Sur son tombeau désert faisons monter Lazare.
Du grand secret des morts qu'il ne soit plus avare
Et de ce qu'il a vu donnons-lui souvenir,
Qu'il parle. - Ce qui dure et ce qui doit finir ;
Ce qu'a mis le Seigneur au coeur de la Nature,
Ce qu'elle prend et donne à toute créature ;
Quels sont, avec le Ciel, ses muets entretiens,
Son amour ineffable et ses chastes liens ;
Comment tout s'y détruit et tout s'y renouvelle
Pourquoi ce qui s'y cache et ce qui s'y révèle ;
Si les astres des cieux tour à tour éprouvés
Sont comme celui-ci coupables et sauvés ;
Si la Terre est pour eux ou s'ils sont pour la Terre ;
Ce qu'a de vrai la fable et de clair le mystère,
D'ignorant le savoir et de faux la raison ;
Pourquoi l'âme est liée en sa faible prison ;
Et pourquoi nul sentier entre deux larges voies,
Entre l'ennui du calme et des paisibles joies
Et la rage sans fin des vagues passions,
Entre la Léthargie et les Convulsions ;
Et pourquoi pend la Mort comme une sombre épée
Attristant la Nature à tout moment frappée ;
- Si le Juste et le Bien, si l'Injuste et le Mal
Sont de vils accidents en un cercle fatal
Ou si de l'univers ils sont les deux grands pôles,
Soutenant Terre et Cieux sur leurs vastes épaules ;
Et pourquoi les Esprits du Mal sont triomphants
Des maux immérités, de la mort des enfants ;
- Et si les Nations sont des femmes guidées
Par les étoiles d'or des divines idées
Ou de folles enfants sans lampes dans la nuit,
Se heurtant et pleurant et que rien ne conduit ;
- Et si, lorsque des temps l'horloge périssable
Aura jusqu'au dernier versé ses grains de sable,
Un regard de vos yeux, un cri de votre voix,
Un soupir de mon coeur, un signe de ma croix,
Pourra faire ouvrir l'ongle aux Peines Eternelles,
Lâcher leur proie humaine et reployer leurs ailes ;
- Tout sera révélé dés que l'homme saura
De quels lieux il arrive et dans quels il ira. "

III

Ainsi le divin fils parlait au divin Père.
Il se prosterne encore, il attend, il espère,
Mais il renonce et dit : Que votre Volonté
Soit faite et non la mienne et pour l'Eternité.
Une terreur profonde, une angoisse infinie
Redoublent sa torture et sa lente agonie.
Il regarde longtemps, longtemps cherche sans voir.
Comme un marbre de deuil tout le ciel était noir.
La Terre sans clartés, sans astre et sans aurore,
Et sans clartés de l'âme ainsi qu'elle est encore,
Frémissait. - Dans le bois il entendit des pas,
Et puis il vit rôder la torche de Judas.

Le silence

S'il est vrai qu'au Jardin sacré des Ecritures,
Le Fils de l'Homme ait dit ce qu'on voit rapporté ;
Muet, aveugle et sourd au cri des créatures,
Si le Ciel nous laissa comme un monde avorté,
Le juste opposera le dédain à l'absence
Et ne répondra plus que par un froid silence
Au silence éternel de la Divinité.


Alfred de Vigny

Artémis

La Treizième revient... C'est encor la première ;
Et c'est toujours la Seule, - ou c'est le seul moment :
Car es-tu Reine, ô Toi! la première ou dernière ?
Es-tu Roi, toi le seul ou le dernier amant ? ...

Aimez qui vous aima du berceau dans la bière ;
Celle que j'aimai seul m'aime encor tendrement :
C'est la Mort - ou la Morte... Ô délice ! ô tourment !
La rose qu'elle tient, c'est la Rose trémière.

Sainte napolitaine aux mains pleines de feux,
Rose au coeur violet, fleur de sainte Gudule,
As-tu trouvé ta Croix dans le désert des cieux ?

Roses blanches, tombez ! vous insultez nos Dieux,
Tombez, fantômes blancs, de votre ciel qui brûle :
- La sainte de l'abîme est plus sainte à mes yeux !


Gérard de Nerval

Le Temps

Ode

I

Le Temps ne surprend pas le sage ;
Mais du Temps le sage se rit,
Car lui seul en connaît l'usage ;
Des plaisirs que Dieu nous offrit,
Il sait embellir l'existence ;
Il sait sourire à l'espérance,
Quand l'espérance lui sourit.

II

Le bonheur n'est pas dans la gloire,
Dans les fers dorés d'une cour,
Dans les transports de la victoire,
Mais dans la lyre et dans l'amour.
Choisissons une jeune amante,
Un luth qui lui plaise et l'enchante ;
Aimons et chantons tour à tour !

III

" Illusions ! vaines images ! "
Nous dirons les tristes leçons
De ces mortels prétendus sages
Sur qui l'âge étend ses glaçons ; "
" Le bonheur n'est point sur la terre,
Votre amour n'est qu'une chimère,
Votre lyre n'a que des sons ! "

IV

Ah ! préférons cette chimère
A leur froide moralité ;
Fuyons leur voix triste et sévère ;
Si le mal est réalité,
Et si le bonheur est un songe,
Fixons les yeux sur le mensonge,
Pour ne pas voir la vérité.

V

Aimons au printemps de la vie,
Afin que d'un noir repentir
L'automne ne soit point suivie ;
Ne cherchons pas dans l'avenir
Le bonheur que Dieu nous dispense ;
Quand nous n'aurons plus l'espérance,
Nous garderons le souvenir.

VI

Jouissons de ce temps rapide
Qui laisse après lui des remords,
Si l'amour, dont l'ardeur nous guide,
N'a d'aussi rapides transports :
Profitons de l'adolescence,
Car la coupe de l'existence
Ne pétille que sur ses bords !

(1824)


Gérard de Nerval

L'enfance

 Qu'ils étaient doux ces jours de mon enfance
Où toujours gai, sans soucis, sans chagrin,
je coulai ma douce existence,
Sans songer au lendemain.
Que me servait que tant de connaissances
A mon esprit vinssent donner l'essor,
On n'a pas besoin des sciences,
Lorsque l'on vit dans l'âge d'or !
Mon coeur encore tendre et novice,
Ne connaissait pas la noirceur,
De la vie en cueillant les fleurs,
Je n'en sentais pas les épines,
Et mes caresses enfantines
Étaient pures et sans aigreurs.
Croyais-je, exempt de toute peine
Que, dans notre vaste univers,
Tous les maux sortis des enfers,
Avaient établi leur domaine ?


Nous sommes loin de l'heureux temps
Règne de Saturne et de Rhée,
Où les vertus, les fléaux des méchants,
Sur la terre étaient adorées,
Car dans ces heureuses contrées
Les hommes étaient des enfants.


(1822)


Gérard de Nerval

A victim of the Nazi Euthanasia Program hospitalized in a psychiatric ward for her nonconformist beliefs and writings, she was murdered on January 26, 1944. Germany, date uncertain.

«- Não tenhas ilusões, eu desfarei as tuas leis, perturbarei a tua ordem, destruir-te-ei; eu sou o Caos!»


Nikos Kazantzakis. Carta a Greco. Trad. Armando Pereira da Silva e Armando da Silva Carvalho. Editora Ulisseia, Lisboa, p. 20
«A nossa vida é um relâmpago muito breve, mas temos sempre tempo.»



Nikos Kazantzakis. Carta a Greco. Trad. Armando Pereira da Silva e Armando da Silva Carvalho. Editora Ulisseia, Lisboa, p. 18

« Falar-te-ei da minha luta, para me sentir aliviado, expulsarei de mim a virtude, o pudor, a verdade, para me sentir aliviado»

«(...) Ouvia, dia e noite, a tua ordem. Esforçava-me, tanto quanto podia, para chegar onde não podia chegar, e se o consegui ou não, só tu mo dirás. Estou diante de ti, e espero.
       Meu general, a batalha está a acabar, presto as minhas contas. Eis onde me bati; fui ferido, senti medo, mas não desertei. Os dentes batiam-me de medo, mas apertava a testa com um lenço vermelho para que se não visse o sangue e partia ao assalto.
       Uma a uma, diante de ti, arrancarei as penas da minha alma, a gralha fúnebre, até que ela já não seja ela, como um pequeno punhado de terra amassada com lágrimas, suor, e sangue. Falar-te-ei da minha luta, para me sentir aliviado, expulsarei de mim a virtude, o pudor, a verdade, para me sentir aliviado.Tal como tu criaste Toledo na tormenta, é assim, carregada de nuvens negras, rodeada de raios amarelos, lutando sem esperança e sem desfalecimento com a luz e as trevas - é assim a minha alma. Vê-la-ás, avaliá-la-ás com o teu olhar penetrante como flechas, e julgá-la-ás. Lembras-te daquelas palavras terríveis que nós, os cretenses, costumamos dizer: «Volta aonde fracassaste; foge do lugar onde venceste!» Se fracassei e me sobrar ainda uma hora de vida, recomeçarei; se venci, abrirei a terra para vir deitar-me ao pé de ti.
       Aqui tens, pois, o meu relato, general, e julga.
       Escuta, Avô, o relato da minha vida; e se na verdade combati contigo, se fui ferido sem que ninguém se apercebesse que sofria, se nunca voltei as costas ao inimigo - dá-me a tua bênção.»



Nikos Kazantzakis. Carta a Greco. Trad. Armando Pereira da Silva e Armando da Silva Carvalho. Editora Ulisseia, Lisboa, p. 16/7
«Olhaste-me e, mal me tinhas visto, senti que este mundo é uma nuvem carregada de trovada e de ventos, que a alma do homem está carregada de trovoada e de ventos, que Deus sopra sobre ela e que não há salvação.
Ergui os olhos, fitei-te. Ia dizer-te:
- Avô, é verdade que não há salvação? - Mas a língua prendeu-se-me. E quando tentei aproximar-me de ti, os joelhos fraquejaram.
  Então, estendeste a mão, como se eu me afogasse e quisesses salvar-me. Agarrei-me àvidamente: ela estava salpicada de manchas multicolores; queimava. Toquei-lhe, ela deu-me força, um impulso, e pude falar.
-Avô - disse -, dá-me as tuas ordens.
  Tu sorriste, puseste a mão sobre a minha cabeça. Não era mão, era um fogo multicolor. E esse fogo derramou-se até às raízes do meu espírito.
-Vai até onde puderes, meu filho...»


Nikos Kazantzakis. Carta a Greco. Trad. Armando Pereira da Silva e Armando da Silva Carvalho. Editora Ulisseia, Lisboa, p. 15
«-Ora vejam lá como vocês são - disse Colin. - Tenho a certeza de que todo o vosso dinheiro continua a ser gasto nessas coisas.
Chick e Alise baixaram o nariz.
- A culpa é minha - disse Chick. - A Alise já não gasta nada com o Partre. Desde que vive comigo, quase não se ocupa dele.
A voz continha uma censura.
-Gosto mais de ti do que do Partre - disse Alise.
Estava prestes a chorar.
-És encantadora - disse Chick. - Não te mereço. Mas o meu vício é coleccionar Partre, e um engenheiro não pode infelizmente dar-se ao luxo de ter tudo.»


Boris Vian. A Espuma dos Dias. Tradução revista, apresentação e notas de Aníbal Fernandes. Relógio D'Água, 2001, p. 59
«Agarrou Colin pelo braço.
-Dê-me o braço. Hoje não o vejo muito expedito!...
-No último encontro a coisa correu melhor - confessou Colin.
Ela voltou a rir, olhou-o, riu outra vez e melhor ainda.
-Está a troçar de mim - disse Colin, compungido. - Não é caridoso.
-Não sente prazer em ver-me? - perguntou Chloé.
-Sinto... - disse Colin.
Uma nuvem cor-de-rosa descia do alto e aproximava-se deles.
-Já aí vou! - era a sua proposta.
-Vem - dizia Colin.
E a nuvem envolveu-os. O seu interior estava quente e cheirava a açúcar com canela.
-Já ninguém nos vê! - disse Colin. - Mas nós vemo-los!...
-É um pouco transparente - disse Chloé. - Desconfie.
-Não faz mal - disse Colin. - Seja como for, sentimo-nos melhor assim. O que é que quer fazer?...
-Exactamente passear...Fica aborrecido?
-Diga-me então coisas...
-Não sei muito a respeito de coisas - respondeu Chloé. - Podemos ver montras. Olhe aquela!...É interessante!
    Na montra havia uma mulher bonita deitada  numa cama desmontável. Tinha o peito nu, um aparelho escovava-lhe os seios de baixo para cima, como escovas compridas de pêlos brancos, finos, sedosos. O cartaz dizia: «Economize o calçado usando o Antípoda do Reverendo Charles».
  -É boa ideia - disse Chloé.
  -Mas não faz nenhum sentido!...-disse Colin. - Com a mão é muito mais agradável.
Chloé corou.
-Não diga coisas dessas. Não gosto dos rapazes que dizem horrores à frente das raparigas.
-Peço desculpa....-  disse Colin. - Não queria...
Mostrava um ar tão desolado, que ela sorriu e abanou-o para provar que não estava zangada.»



Boris Vian. A Espuma dos Dias. Tradução revista, apresentação e notas de Aníbal Fernandes. Relógio D'Água, 2001, p. 54/5

Colin e Chloé

«Colin sentou-se e Chloé aninhou-se comodamente ao pé dele.
-Esta menina é simpática, não é? - disse Chick.
Chloé sorriu. Colin não disse nada mas passou o braço à volta do pescoço de Chloé e começou a brincar distraidamente com o primeiro botão do seu vestido, que abotoava no peito. Alise voltou para junto deles.
-Chega-te para lá, Chick, quero encaixar-me entre ti e o Colin.
Tinha escolhido bem o disco. Era o Chloe no arranjo de Duke Ellington. Colin mordiscava perto da orelha os cabelos de Chloé. Murmurou:
-És precisamente tu.
E antes de Chloé conseguir responder, os outros vieram dançar; depois de todo aquele tempo tinham reparado que não era, de forma nenhuma, momento para estarem à mesa.
-Oh!...- disse Chloé. - Que pena!...»



Boris Vian. A Espuma dos Dias. Tradução revista, apresentação e notas de Aníbal Fernandes. Relógio D'Água, 2001, p. 48/9

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

''Na verdade não há processo de aceder à consciência senão estar, viver, tê-la presente, sê-la: talvez a filosofia dependa em última análise, como queria Fichte, «da qualidade de homem que se é».''


Eduardo Lourenço. Da Permanência no Mundo do Espírito in Heterodoxia I e II. Assírio&Alvim, Lisboa, 1987, p. 25
«Um homem pode recusar-se a trocar qualquer objecto insignificante (testemunho de amor, recordação familiar, fetiche absurdo mesmo) sobre que concentrou uma intenção infinita, pelo maior tesouro da terra. Quer dizer, pode recusar vender a alma.»


Eduardo Lourenço. Da Permanência no Mundo do Espírito in Heterodoxia I e II. Assírio&Alvim, Lisboa, 1987, p. 25

«É fácil ver a que espécie de homens pertencem os aproveitadores de mortos...»

«É fácil ver a que espécie de homens pertencem os aproveitadores de mortos: aos fanáticos de todas as religiões, metafísicas, morais, estéticas, políticas. Fanáticos, entenda-se, não crentes que testemunham da sua fé como fé, sem a querer impor aos outros como certeza demonstrável. O que é raro.»


Eduardo Lourenço. Da Permanência no Mundo do Espírito in Heterodoxia I e II. Assírio&Alvim, Lisboa, 1987, p. 21
«On peut  compter l'âge du corps,
Mais trouverais-je un autre champ
Entre mon enfance et ma mort?»


Patrice de la Tour du Pin, Poèmes de Calsehenne
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