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domingo, 24 de novembro de 2013

EM SUMA NÃO POSSUO PARA EXPRIMIR A MINHA VIDA

 Em suma, não possuo para exprimir a minha vida senão a minha morte.
E, depois de tudo, ao cabo da natureza ordenada e do pardal em bloco, adormeço, familiarmente, com minha sombra.
E, ao descer do acto venerável e do outro gemido, pouso a pensar na marcha impávida do tempo.
...Porquê a corda, então, se o ar é tão simples? Para quê a corrente, se existe o ferro por si só?
    César Vallejo, o acento com que amas, o verbo com que escreves, a brisa com que ouves, sabem de tu somente pela tua garganta.
     César Vallejo, prostra-te, por isso, com indistinto orgulho, com um tálamo de áspides ornamentais e de hexagonais ecos.
Restitui-te ao favo corpóreo, à beleza; perfuma as rolhas em flor, fecha ambas as grutas ao furioso antropóide; atende, enfim, o teu antipático veado; tem pena de ti.
Que não há coisa mais densa que o ódio na voz passiva, nem úbere mais mísero que o amor!
Que já não posso andar, a não ser em duas harpas!
Que já não me conheces, senão porque te sigo instrumental, prolixamente!
Que já não dou vermes, mas breves!
Que já não te envolvo tanto, que meio que te aguças!
Que já levo uns tímidos legumes e outros ferozes!
Pois o afecto que se quebra de noite em meus brônquios, trouxeram-no uns ocultos deões durante o dia e, se amanheço pálido, é pela minha obra; e, se anoiteço vermelho, por meu obreiro. Isto explica, igualmente, estes meus cansaços e estes despojos, meus famosos tios. Isto explica, enfim, esta lágrima que brindo pela ventura dos homens.
César Vallejo, parece mentira que assim dormem teus parentes,
sabendo que ando cativo,
sabendo que jazes livre!
Vistosa e infame sorte!
César Vallejo, odeio-te com ternura!

25 Nov. 1937
 
 
César Vallejo. Antologia Poética. Selecção, tradução, prólogo e notas de José Bento. Relógio D' Água, Lisboa, 1992., p. 131/2
 
«seria segunda-feira, talvez, vir-me-ia a ideia ao coração
o pranto ao cérebro
e à garganta uma ânsia medonha de afogar
o que sinto agora,
como um homem que sou e que tenho sofrido.»
 
21 Nov. 1937
 
 
 
 
César Vallejo. Antologia Poética. Selecção, tradução, prólogo e notas de José Bento. Relógio D' Água, Lisboa, 1992., p. 129
« a fim de não gritar ou de chorar, já que os olhos
possuem, independentes de cada qual, suas pobrezas,
quero dizer, o seu ofício, alguma coisa
que resvala da alma e cai à alma.»
 
 
 
 
César Vallejo. Antologia Poética. Selecção, tradução, prólogo e notas de José Bento. Relógio D' Água, Lisboa, 1992., p. 129
«Pobre macaco!...Dá-me a pata!...Não. A mão, disse eu.
Saúde! E sofre!»


César Vallejo. Antologia Poética. Selecção, tradução, prólogo e notas de José Bento. Relógio D' Água, Lisboa, 1992., p. 127

''sofres de mim, da minha sagacidade sóbria, tácita.''

«Pois como resultado
do sofrimento, há alguns
que nascem, outros crescem, outros morrem,
e outros que nascem e não morrem, outros
que sem ter nascido morrem, e outros
que não nascem nem morrem (a maioria).»
 
 
 
César Vallejo. Antologia Poética. Selecção, tradução, prólogo e notas de José Bento. Relógio D' Água, Lisboa, 1992., p. 118

terça-feira, 19 de novembro de 2013


C'est la vie, mort de la Mort!

César Vallejo. Antologia Poética. Selecção, tradução, prólogo e notas de José Bento. Relógio D' Água, Lisboa, 1992., p. 105
«sonhaste esta noite que vivias
de nada e de tudo morrias.»


César Vallejo. Antologia Poética. Selecção, tradução, prólogo e notas de José Bento. Relógio D' Água, Lisboa, 1992., p. 103
«Compreendo sem esforço
que o homem fica, às vezes, pensativo
como a querer chorar

...

Compreendo
que ele sabe que lhe quero,
que o odeio com afecto e, resumindo, me é indiferente...»




César Vallejo. Antologia Poética. Selecção, tradução, prólogo e notas de José Bento. Relógio D' Água, Lisboa, 1992., p. 92

Perdeu o rosto no amor

 «Existe um mutilado, não de um combatente mas de um abraço, não da guerra mas da paz. Perdeu o rosto no amor e não no ódio.»


César Vallejo. Antologia Poética. Selecção, tradução, prólogo e notas de José Bento. Relógio D' Água, Lisboa, 1992., p. 84

- JÁ NÃO VIVE NINGUÉM NA CASA - DIZES-ME -


«- Já não vive ninguém na casa - dizes-me -; todos partiram. A sala, o quarto, o pátio jazem despovoados. Já não resta ninguém, pois todos partiram.
   E eu digo-te: Quando alguém parte, alguém fica. O ponto por onde passou um homem, já não está só. Unicamente está só, de solidão humana, o lugar por onde nenhum homem passou. As casas novas estão mais mortas que as velhas, porque as suas paredes são de pedra ou de aço, mas não de homens. Uma casa vem ao mundo não quando acabam de edificá-la, mas quando começam a habitá-la. Uma casa vive unicamente de homens, como um sepulcro. Daqui essa irresistível semelhança que há entre uma casa e um sepulcro. Somente que a casa se nutre da vida de um homem, enquanto que o sepulcro se nutre da morte do homem. Por isso a primeira está de pé, enquanto o segundo está deitado.
  Todos partiram da casa, na realidade, mas todos na verdade ficaram. E não é a recordação deles o que fica, mas eles mesmos. E não é tão-pouco que eles fiquem na casa, mas que continuam pela casa. As funções e os actos partem da casa, de comboio ou de avião ou a cavalo, a pé ou arrastando-se. O que continua na casa é o órgão, o agente em gerúndio e em círculo. Os passos partiram, os beijos, os perdões, os crimes. O que continua na casa é o pé, os lábios, os olhos, o coração. As negações e as afirmações, o bem e o mal, dispersaram-se. O que continua na casa é o sujeito do acto.»





César Vallejo. Antologia Poética. Selecção, tradução, prólogo e notas de José Bento. Relógio D' Água, Lisboa, 1992., p. 83

VOU FALAR DA ESPERANÇA

 
   Eu não sofro esta dor como César Vallejo. Não padeço agora como artista, como homem nem como simples ser vivo sequer. Eu não sofro esta dor como católico, como maometano nem como ateu. Hoje sofro somente. Se não me chamasse César Vallejo, também sofreria esta mesma dor. Se não fosse artista, também a sofreria. Se não fosse homem nem ser vivo sequer, também a sofreria. Se não fosse católico, nem ateu nem maometano, também a sofreria. Hoje sofro deste mais fundo. Hoje sofro somente.
  Padeço agora sem explicações. A minha dor é tão funda que não teve sequer causa nem carece de causa. Qual seria a sua causa? Onde está aquilo tão importante que deixasse de ser a sua causa? Nada é a sua causa; nada pôde deixar de ser a sua causa. Para que nasceu esta dor, por si mesma? Minha dor é do vento do norte e do vento do sul, como esses ovos neutros que algumas aves estranhas põem do vento. Se tivesse morrido a minha noiva, a minha dor seria igual. Se a vida fosse, enfim, de modo diferente, a minha dor seria igual. Hoje sofro desde mais alto. Hoje sofro somente.
   Olho a dor do faminto e vejo que a sua fome anda tão longe do meu sofrimento, que por ficar em jejum até morrer, sairia sempre da minha sepultura uma fibra de erva, pelo menos. Do mesmo modo, o enamorado. Que sangue o seu mais engendrado, para o meu sem fonte sem consumo!
   Eu cria até agora que todas as coisas do universo eram, inevitavelmente, pais ou filhos. Mas eis que a minha dor de hoje não é pai nem filho. Falta-lhe dorso para anoitecer, tanto como lhe sobra peito para amanhecer, e se a pusessem num quarto escuro não daria à luz e se a pusessem num quarto luminoso não daria sombra. Hoje sofro, suceda o que suceder. Hoje sofro somente.»





César Vallejo. Antologia Poética. Selecção, tradução, prólogo e notas de José Bento. Relógio D' Água, Lisboa, 1992., p. 79/80

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

LXXV

Estais mortos.
Que estranha maneira de estar mortos. Quem quer que seja
diria que não o estais. Mas, na verdade, estais mortos.

Flutuais nadamente por trás dessa membrana que, pêndulo
do zénite ao nadir, vem e vai de crepúsculo a crepúsculo,
vibrando diante da sonora caixa de uma ferida que não vos
dói. Digo-vos, pois, que a vida está no espelho, e que sois o
original, a morte.

Enquanto a onda vai, enquanto a onda vem, quão
impunemente se está morto. Só quando as águas se
quebram, nas margens enfrentadas e se dobram e dobram,
então transfigurai-vos e, julgando morrer, descobris a sexta
corda que já não é vossa.

Estais mortos, não tendo nunca antes vivido. Quem quer
que seja diria que, não sendo agora, fosses em outro tempo.
Mas, em verdade, vós sois os cadáveres de uma vida que
nunca foi. Triste destino. O não ter sido senão mortos
sempre. O ser folha seca sem ter sido verde jamais.
Orfandade de orfandades.

E contudo, os mortos não são, não podem ser cadáveres
de uma vida que ainda não viveram. Morreram sempre de
vida.

Estais mortos.



César Vallejo. Antologia Poética. Selecção, tradução, prólogo e notas de José Bento. Relógio D' Água, Lisboa, 1992., p. 70

terça-feira, 12 de novembro de 2013

LVII

  Caracterizados os pontos mais altos, os pontos
do amor, de ser maiúsculo, belo, jejuo, ab-
sorvo heroína para a dor, para o latejo
laço e contra a correcção.

Posso dizer que nos atraiçoaram? Não.
Que todos foram bons? Tão-pouco. Mas
ali está uma boa vontade, sem dúvida,
e, sobretudo, o ser assim.

E que quem se ame muito! Procuro-me
em meu próprio desígnio que devia ser obra
minha, em vão: nada conseguiu ser livre.

 E contudo, quem me impele.
A que não me atrevo a fechar a quinta janela.
E o papel de amar-se e persistir junto às
horas e ao indevido

E o este e o aquele.



César Vallejo. Antologia Poética. Selecção, tradução, prólogo e notas de José Bento. Relógio D' Água, Lisboa, 1992., p. 63

XV

Naquele canto, onde tantas noites
dormimos juntos, vim sentar-me agora,
a caminhar. A cama dos noivos mortos
foi retirada, ou passou-se talvez alguma coisa.

Vieste cedo para outros assuntos
e já não estás aqui. Este é o canto
onde a teu lado uma noite li,
entre teus ternos pontos,
um conto de Daudet. É o canto
amado. Não o confundas.

Pus-me a lembrar aqueles dias
de verão passados, teu entrar e sair,
pequena e cansada e pálida nos quartos.

Nesta noite chuvosa,
já longe de nós dois, salto de súbito...
São duas portas abrindo-se fechando-se
duas portas que vão ao vento vão e vêm
sombra                    a                       sombra.











César Vallejo. Antologia Poética. Selecção, tradução, prólogo e notas de José Bento. Relógio D' Água, Lisboa, 1992., p. 44

XIII

  Penso em teu sexo.
Simplificado o coração, penso em teu sexo,
diante a ilharga madura do dia.
Apalpo o botão de gozo, está maduro.
E morre um sentimento antigo
degenerado em prudência.

  Penso em teu sexo, sulco mais prolífico
e harmonioso que o ventre da Sombra,
embora a Morte conceba e dê à luz
do próprio Deus.
Oh Consciência,
penso, sim, no bicho livre
que goza onde quer, onde pode.

  Oh, escândalo de mel dos crepúsculos.
Oh estrondo mudo.

Odumodnortse!








César Vallejo. Antologia Poética. Selecção, tradução, prólogo e notas de José Bento. Relógio D' Água, Lisboa, 1992., p. 43

ÁGAPE

Hoje ninguém veio perguntar alguma coisa;
nem nesta tarde ninguém me pediu nada,

Não vi sequer uma flor de cemitério
em tão alegre procissão de luzes.
Perdoa-me Senhor: morri tão pouco!

Nesta tarde todos, todos passam
sem nada me perguntar nem pedir nada.

E não sei o que esquecem e que fica
e minhas mãos tão mal, qual coisa alheia.

Saí até à porta,
tenho vontade de gritar a todos:
Se alguma coisa vos falta, ela está aqui!

Porque em todas as tardes desta vida,
não sei que portas nos atiram na cara
e algo estranho se apodera da minha alma.

Não veio ninguém hoje;
e que pouco hoje nesta tarde morri!




César Vallejo. Antologia Poética. Selecção, tradução, prólogo e notas de José Bento. Relógio D' Água, Lisboa, 1992., p. 32
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