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domingo, 24 de março de 2024

quinta-feira, 14 de setembro de 2023

 "Acho que a missão da mulher é assombrar, espantar. Se a mulher não espanta... De resto, não é só a mulher, todos os seres humanos têm que deslumbrar os seus semelhantes para serem um acontecimento. Temos que ser um acontecimento uns para os outros. Então a pessoa tem que fazer o possível para deslumbrar o seu semelhante, para que a vida seja um motivo de deslumbramento. Se chama a isso sedução, cumpri aquilo que me era forçoso fazer." . 


NATÁLIA CORREIA (Fajã de Baixo, São Miguel, 13 de Setembro de 1923 — Lisboa, 16 de Março de 1993), poetisa, dramaturga, romancista, ensaísta, cronista, tradutora, editora, conferencista e deputada, em entrevista de 1983. .

terça-feira, 6 de junho de 2023

terça-feira, 30 de maio de 2023

A defesa do poeta


Senhores jurados sou um poeta

um multipétalo uivo um defeito

e ando com uma camisa de vento

ao contrário do esqueleto.



Sou um vestíbulo do impossível um lápis

de armazenado espanto e por fim

com a paciência dos versos

espero viver dentro de mim.



Sou em código o azul de todos

( curtido couro de cicatrizes)

uma avaria cantante

na maquineta dos felizes.



Senhores banqueiros sois a cidade

o vosso enfarte serei

não há cidade sem o parque

do sono que vos roubei.



Senhores professores que pusestes

a prémio minha rara edição

de raptar-me em crianças que salvo

do incêndio da vossa lição.



Senhores tiranos que do baralho

de em pó volverdes sois os reis

sou um poeta jogo-me aos dados

ganho as paisagens que não vereis.



Senhores heróis até aos dentes

puro exercício de ninguém

minha cobardia é esperar-vos

umas estrofes mais além.



Senhores três quatro cinco e sete

que medo vos pôs por ordem?

Que favor fechou o leque

da vossa diferença enquanto homem?



Senhores juízes que não molhais

a pena na tinta da natureza

não apedrejeis meu pássaro

sem que ele cante minha defesa.



Sou um instantâneo das coisas

apanhadas em delito de perdão

a raiz quadrada da flor

que espalmais em apertos de mão.



Sou uma impudência a mesa posta

de um verso onde o possa escrever.

Ó subalimentados do sonho!

A poesia é para comer.





Natália Correia




"A defesa do poeta", Poesia Completa, Publicações Dom Quixote, Lisboa, 2000, pág. 330 e seg. (nota em rodapé: "Compus este poema para me defender no Tribunal Plenário de tenebrosa memória. O que não fiz a pedido do meu advogado que sensatamente me advertiu de que essa insólita leitura no decorrer do julgamento comprometeria a defesa, agravando a a sentença."

terça-feira, 23 de maio de 2023

 «Traduzido por miúdos: daquelas mesmas pessoas que se proclamam mais avançadas (em política, em religião, em costumes) é que tenho ouvido as censuras mais ásperas à Antologia. Percebe-se: cautelosos por espírito de conservação, ficam cheios de raiva perante qualquer gesto mais ousado. Confirma-se [...] quanto mais progressistas, mais sacripantas em questões que bulam o sexo.» Luiz Pacheco

in Natália CorreiaAntologia de Poesia Portuguesa Erótica e Satírica. 

 Natália Correia tirou, com O Homúnculo, o sono ao dita-

dor. Foi uma das obras contra si que mais o perturbaram.

A energia, a escrita, a profundidade, a irreverência da

autora impressionaram-no profundamente.

 Quando a PIDE lhe foi comunicar a prisão da poetisa

e a apreensão da obra, respondeu: «Retirem o livro, sim,

mas não toquem nela. É uma mulher muito, muitíssimo

inteligente.


Fernando Dacosta

 ''Dão-nos um cravo preso à cabeça

E uma cabeça presa à cintura

Para que o corpo não pareça

A forma da alma que o procura.''

Natália Correia

sábado, 4 de março de 2023

Quanto Mais Amada Mais Desisto

 


De amor nada mais resta que um Outubro
e quanto mais amada mais desisto:
quanto mais tu me despes mais me cubro
e quanto mais me escondo mais me avisto.

E sei que mais te enleio e te deslumbro
porque se mais me ofusco mais existo.
Por dentro me ilumino, sol oculto,
por fora te ajoelho, corpo místico.

Não me acordes. Estou morta na quermesse
dos teus beijos. Etérea, a minha espécie
nem teus zelos amantes a demovem.

Mas quanto mais em nuvem me desfaço
mais de terra e de fogo é o abraço
com que na carne queres reter-me jovem.

Natália Correia, in "O Dilúvio e a Pomba"

Cântico do País Emerso

 

Os previdentes e os presidentes tomam de ponta
Os inocentes que têm pressa de voar
Os revoltados fazem de conta fazem de conta...
Os revoltantes fazem as contas de somar.

Embebo-me na solidão como uma esponja
Por becos que me conduzem a hospitais.
O medo é um tenente que faz a ronda
E a ronda abre sepulcros fecha portais;

Os edifícios são malefícios da conjura
Municipal de um desalento e de uma Porta.
Salvo a ranhura para sair o funeral
Não há inquilinos nos edifícios vistos por fora

Que é dos meninos com cataventos na aérea
Arquitetura de gargalhadas em cornucópia?
Almas bovinas acomodadas à matéria
Pastam na erva entre as ruínas da memória,

Homens por dentro abandalhados em unhas sujas
Que desleixaram seu coração num bengaleiro;
Mulheres corujas seriam gregas não fossem as negras
Nódoas deixadas na sua carne pelo dinheiro;

Jovens alheios à pulcritude do corpo em festa
Passam por mim como alamedas de ciprestes
E a flor de cinza da juventude é uma aresta
Que me golpeia abrindo vácuos de flores silvestres

E essa ansidedade de mim mesma me virgula
Paula de pátria entressonhada. É um crisol.
E, o fruto agreste da linfa ardente que em mim circula
Sabe-me a sol. Sabe-me a pássaro. Pássaro ao sol.

Entre mim e a cidade se ateia a perspectiva
De uma angústia florida em narinas frementes.
Apalpo-me estou viva e o tacto subjectiva-me
a galope num sonho com espuma nos dentes.

E invoco-vos, irmãos, Capitães-Mores do Instinto!
Que me acenais do mar com um lenço cor da aurora
E com a tinta azulada desse aceno me pinto.
O cais é a urgência. O embarque é agora.

Cidadania

Buquê de ruídos úteis

o dia. O tom mais púrpura
do avião sobressai
locomovida rosa pública.

Entre os edifícios a acácia
de antigamente ainda ousa
trazer ao cimo a folhagem
sua dor de apertada coisa.

Um solo de saxofone excresce
mensagem que a morte adia
aflito pássaro que enrouquece
a garganta da telefonia.

Em cada bolso do cimento
uma lenta aranha de gás
manipula o dividendo
de um suicídio lilás.

Natália Correia, in "O Vinho e a Lira"

Balada para um Homem na Multidão


Este homem que entre a multidão
enternece por vezes destacar
é sempre o mesmo aqui ou no japão
a diferença é ele ignorar.

Muitos mortos foram necessários
para formar seus dentes um cabelo
vai movido por pés involuntários
e endoidece ser eu a percebê-lo.

Sentam-no à mesa de um café
num andaime ou sob um pinheiro
tanto faz desde que se esqueça
que é homem à espera que cresça
a árvore que dá dinheiro.

Alimentam-no do ar proibido
de um sonho que não é dele
não tem mais que esse frasco de vidro
para fechar a estrela do norte.
E só o seu corpo abolido
lhe pertence na hora da morte.

Natália Correia, in "O Vinho e a Lira"

segunda-feira, 12 de dezembro de 2022

Queixa das almas jovens censuradas

 

Dão-nos um lírio e um canivete
e uma alma para ir à escola
mais um letreiro que promete
raízes, hastes e corola

Dão-nos um mapa imaginário
que tem a forma de uma cidade
mais um relógio e um calendário
onde não vem a nossa idade

Dão-nos a honra de manequim
para dar corda à nossa ausência.
Dão-nos um prémio de ser assim
sem pecado e sem inocência

Dão-nos um barco e um chapéu
para tirarmos o retrato
Dão-nos bilhetes para o céu
levado à cena num teatro

Penteiam-nos os crâneos ermos
com as cabeleiras das avós
para jamais nos parecermos
connosco quando estamos sós

Dão-nos um bolo que é a história
da nossa historia sem enredo
e não nos soa na memória
outra palavra que o medo

Temos fantasmas tão educados
que adormecemos no seu ombro
somos vazios despovoados
de personagens de assombro

Dão-nos a capa do evangelho
e um pacote de tabaco
dão-nos um pente e um espelho
pra pentearmos um macaco

Dão-nos um cravo preso à cabeça
e uma cabeça presa à cintura
para que o corpo não pareça
a forma da alma que o procura

Dão-nos um esquife feito de ferro
com embutidos de diamante
para organizar já o enterro
do nosso corpo mais adiante

Dão-nos um nome e um jornal
um avião e um violino
mas não nos dão o animal
que espeta os cornos no destino

Dão-nos marujos de papelão
com carimbo no passaporte
por isso a nossa dimensão
não é a vida, nem é a morte


Natália Correia

segunda-feira, 13 de setembro de 2021


 

 ANTES SER A SERPENTE, QUE A EVA DOMESTICADA...

«Eu não vou ficar como elas, amarelecida numa fotografia de piquenique, antepassada de mim mesma. Eu não vou ficar estupidamente feliz num retrato de casamento, um único momento de glória, ao lado de um homem que não conheço, que nunca conhecerei mas que me vai fazer muitos filhos e mandar-me calar quando eu disser asneiras. Eu vou ter as ancas magnéticas, os seios livres, ofertados, os calcanhares vibráteis como cordas, transmitindo o chamamento da minha sede de ser amada e amar na vertigem de ser amada.»
Natália Correia, A Madona (1968)

quinta-feira, 1 de julho de 2021

«Plenilúnio num campo de ruínas;»

Natália Correia. Antologia Poética. Organização, selecção e prefácio Fernando Pinto do Amaral. 4ª Edição. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 2019., p. 322

 X

Eu não sou deste mundo. Então de qual
Planeta absurdo me acontece a vida
Que o carimbo me põe de original
E a minha estrela dá como perdida?

Pelo condão de um humor filosofal
Do estranho estado me finjo distraída.
Num hífen entre o nada e o ideal
Hasteio a farsa da coisa conseguida.

Estranheza de ser. De agoniado
Espanto sou feita num sonho naufragado.
Tempo emprestado com um astro louco ao fundo.

Sitiada por trevas não descanso
De indagar minha essência e só me alcanço
Na loucura de não ser deste mundo.

Natália Correia. Antologia Poética. Organização, selecção e prefácio Fernando Pinto do Amaral. 4ª Edição. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 2019., p. 321
«De Deus nenhum sinal. Só à loucura
Do universo meu coração exposto.»

Natália Correia. Antologia Poética. Organização, selecção e prefácio Fernando Pinto do Amaral. 4ª Edição. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 2019., p. 321

«Para noites de alma dever à eternidade »

Natália Correia. Antologia Poética. Organização, selecção e prefácio Fernando Pinto do Amaral. 4ª Edição. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 2019., p. 319

«Por mais que à luz os pensamentos uivem
Próprio é da vida banir o entendimento.»

Natália Correia. Antologia Poética. Organização, selecção e prefácio Fernando Pinto do Amaral. 4ª Edição. Publicações Dom Quixote, Lisboa, 2019., p. 318
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