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domingo, 11 de fevereiro de 2018

«Nunca pude esquecer seus lisos ombros »


Juan-Gil Albert. Antologia da Poesia Espanhola Contemporânea. Selecção e Tradução de José Bento. Assírio&Alvim, Lisboa, 1985., p. 310

IMPROVISO N.º 3

(México)


Um dia ver-nos-emos entre os mortos,
mas para além dos mortos, luz escassa
para rememorar sobre este mundo
perdurável: os montes soalheiros,
os mares refulgentes e as nuvens
que andam vogando pelos céus perfeitos
de teu país. Falar é sempre terno
se houver com quem. Uma vida inteira
sem esperança ergue-se dos lábios
como um viveiro de rosas refugiado
sob zimbros antigos. Quanta invicta 
decadência. Pensemos no amanhã
nutrindo-nos de ontem. Teu corpo longe
com a madeixa escura sobre o alto
paredão da tua fronte, também rosa
à sombra pausada de ti mesmo.
E eu sem ti e sabendo-te no mundo
quase só com o tempo necessário
para ferir-me e fugir. Colher a rosa
ou deixá-la emurchecer na haste
do seu ensimesmamento? Quem soubera!
Viver é cometer aqueles erros
que nunca humanamente se reparam.


Juan-Gil Albert. Antologia da Poesia Espanhola Contemporânea. Selecção e Tradução de José Bento. Assírio&Alvim, Lisboa, 1985., p. 309

«(...)  Só um cigarro
é então, nas mãos laboriosas
ao enrolar-se e acender-se, um passatempo
subtil, um abandono reflexivo,
um desertar que ninguém nos censura,
e com os olhos claros recolhemos
a música, o fragrante privilégio
da estação, a água, chove, chove,
suave e firmemente, e nós fumamos,
enquanto o pensamento se aprofunda,
se faz distante, ausente, perdidiço,
e fora vai chovendo lentamente
e ficamos mais isolados, mais absortos:
um ser dono de tudo, um não ser nada.»

Juan-Gil Albert. Antologia da Poesia Espanhola Contemporânea. Selecção e Tradução de José Bento. Assírio&Alvim, Lisboa, 1985., p. 308/9

''porque a vida é isso, força cega''


Juan-Gil Albert. Antologia da Poesia Espanhola Contemporânea. Selecção e Tradução de José Bento. Assírio&Alvim, Lisboa, 1985., p. 307

«(...)

                                    baixo os olhos
e pousa-se o coração como uma ave
nos laboriosos campos delicados
da cor do mel,
                         olho mais fundamente
e quase já não vejo outra carícia
que não seja a beleza.
                                  É o silêncio
o que me impregna inteiro esta distância,
de onde as coisas se incorporam
à sua divindade.»


Juan-Gil Albert. Antologia da Poesia Espanhola Contemporânea. Selecção e Tradução de José Bento. Assírio&Alvim, Lisboa, 1985., p. 306/7

«              Olho as alturas
e só vejo o sol omnipresente
a estender-me as mãos luminosas
como qualquer enamorado.
                                                   A vida ou nada.»




Juan-Gil Albert. Antologia da Poesia Espanhola Contemporânea. Selecção e Tradução de José Bento. Assírio&Alvim, Lisboa, 1985., p. 306

«(...)       o homem cala-se.
Já não são as palavras docemente
o que quer dizer os seus suspiros,
nem o rumor desta brisa matutina
que lhe recorda tanto o outro tempo
de sua felicidade e suas mágoas;
já não é ele quem dirige, já não quer
nem sabe possuir: são os enigmas
falando por si sós, »



Juan-Gil Albert. Antologia da Poesia Espanhola Contemporânea. Selecção e Tradução de José Bento. Assírio&Alvim, Lisboa, 1985., p. 305

REQUINTE DO CAMPO


As pedras colocadas sobre as pedras
e em cima desse muro primitivo
uma oliveira branca.
Não sei porque será que certas coisas
que nada dizem quase,
que bem analisadas não são coisa
digna de nada,
causam no meu ânimo um fluxo
de inextinguível paz.
Dir-se-ia que minhas raízes sinto
dentro desses contornos depurados
que não são nada,
dentro dessa velhice
de tão firme humildade
como se uma incitação familiar
ali me retivesse.
Algo como uma voz que me dissesse
de dentro de mim mesmo:
esta fé encantadora
é a pobreza.



Juan-Gil Albert. Antologia da Poesia Espanhola Contemporânea. Selecção e Tradução de José Bento. Assírio&Alvim, Lisboa, 1985., p. 304
«(...)

Por isso digo:
Isto será preciso para mim?
Não se poderá buscar outra grandeza?
Ser homem terá de ser isso somente,
alguém que vai deixando no seu banho
a pele antiga?
Que deixou de ter cheiro de pessoa,
de ter o cheiro da humanidade?
Porque se confundiu com a higiene
tal desamor? Não quero confundir-me.
Não quero nada, nada, dessas gentes
que me rodeiam. Quero um fogo santo.
Quero crer, crer, em quanto quero
crer, na amizade, nesse privilégio
desta ambição humana de ser homem.
Crer nesta luz da minha consciência
que nunca deixa, nunca, de alumiar-me,
como uma tocha viva, como um dardo
que acabam de lançar cada manhã
de sobre uma açoteia silenciosa.
Quero crer que está repleto o homem
de um projecto divino e misterioso,
de um projecto que não estará jamais escrito
em nenhuma parede, crer que existe
a razão de viver humanamente
sem que nos mande ninguém, sem que ninguém
levante mais a voz, crer que é verdade
que cada homem é dono de si mesmo
qual de uma parte umbrosa e pensativa:
crer em mim.»



Juan-Gil Albert. Antologia da Poesia Espanhola Contemporânea. Selecção e Tradução de José Bento. Assírio&Alvim, Lisboa, 1985., p. 303

«(...), começam outros 
que chegam a roer com novo afinco
as migalhas do queijo amarelento
que tresanda a morte. Morte, morte,
é tudo quanto vemos nas mãos
da avidez. A morte é a senhora
deste enxame de moscas enlutadas
que tudo consomem como um sopro
que a ninguém redimiu.

Juan-Gil Albert. Antologia da Poesia Espanhola Contemporânea. Selecção e Tradução de José Bento. Assírio&Alvim, Lisboa, 1985., p. 302

um osso miserável: a riqueza


«(...)    O pobre, o poderoso,
a dama e o bobo, quatro cães lebreiros
farejam desde a noite ao amanhecer
o mesmo bocado evanescente,
um osso miserável: a riqueza.»


Juan-Gil Albert. Antologia da Poesia Espanhola Contemporânea. Selecção e Tradução de José Bento. Assírio&Alvim, Lisboa, 1985., p. 302

«A grande cidade é selva e apenas selva.»


Juan-Gil Albert. Antologia da Poesia Espanhola Contemporânea. Selecção e Tradução de José Bento. Assírio&Alvim, Lisboa, 1985., p. 301

domingo, 4 de fevereiro de 2018

casa desabitada

«(...) 

o mundo não deterá por isso seu destino inadiável
quando os pés do homem se encheram de terra nova
e transladam seu coração sem nostalgia
ali onde tu, casa desabitada,
não és ninguém.»


Juan-Gil Albert. Antologia da Poesia Espanhola Contemporânea. Selecção e Tradução de José Bento. Assírio&Alvim, Lisboa, 1985., p. 299

« casa guardada num estojo de heras!»

Juan-Gil Albert. Antologia da Poesia Espanhola Contemporânea. Selecção e Tradução de José Bento. Assírio&Alvim, Lisboa, 1985., p. 298
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