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domingo, 2 de setembro de 2012


À janela, nova, a vida velha:
mexem as folhas e vem a mim a luz.
Estou só, cheio de mim, como aquela nuvem
que tem lá dentro a calma de ali estar.
Meu Deus, como aqui nos alegramos com tão pouco!
Assim seria a vida, sem a ânsia
dos homens que parece terem pressa de matar,
dessa raça de mastim que rouba o tempo,
os anos, o fôlego e a memória,
e sem ciúmes nem amores ocultos
que murcham a flor do respirar.
Estou só e canto, e olho aquela nuvem
cheia de mim e do seu antigo olhar-me.



Franco Loi. Memória. Tradução colectiva (Mateus, Março de 1992, revista e apresentada por António Osório.) Quetzal Editores, 1993 p. 53
Quietas, belas árvores, e tu detém-te, terra!
Falta-me o ar ao penetrar em ti.
A noite cruza o mar e esconde a aldeia,
as estrelas lá em cima e à nossa volta o bosque.
Como está perto o céu e que mover adverso
o dos homens que as mulheres abraçam, sombrio
uivar dos cães, que sobe de Maestrale para o meu peito!
Aguda água de distância é para mim de cinza
e chama-me, talvez me queira até
uma dor agarra-me as entranhas,
tristeza de estar ali, silvos de vento,
e a memória que o bosque habita,
o corpo que cansado olha o que sente.
Oh, como o ar se retarda, e como a água
funda vai passando e quase não se ouve.



Franco Loi. Memória. Tradução colectiva (Mateus, Março de 1992, revista e apresentada por António Osório.) Quetzal Editores, 1993 p. 43

«Ontem a minha juventude morria nos teus braços».


Franco Loi. Memória. Tradução colectiva (Mateus, Março de 1992, revista e apresentada por António Osório.) Quetzal Editores, 1993 p. 42

Mas quantos amores parecem de tristeza / dentro de um que tanta dor nos dá.

Devesse eu ter duas dores, e eu
uma só sentiria, como todos sentem;
pois tantas são as dores que dão a forma
àquele que se queixa, que uma lhe parece;
e se ainda falar de amor devesse,
de um me roería pela beleza
que busca a forma no parar do sol...
Mas quantos amores parecem de tristeza
dentro de um que tanta dor nos dá.




Franco Loi. Memória. Tradução colectiva (Mateus, Março de 1992, revista e apresentada por António Osório.) Quetzal Editores, 1993 p. 41

Oh, quanta gente que, morta por aí,
passou por ela a história sem a ver,
sem ver o frio de esperança generosa
de que a minha própria sombra seja maior que ela,
oh, quanta gente que, morta por aí,
parece à espera e já não espera mais;
e passa o ar e afasta-se para longe,
lá onde se imagina estar a vida
que se esconde, mas que regressará.



Franco Loi. Memória. Tradução colectiva (Mateus, Março de 1992, revista e apresentada por António Osório.) Quetzal Editores, 1993 p. 30

Inclino a cabeça entre pensamentos
e de longe me vem a melancolia,
o rio devagar, sem porquê, mas rio,
olho depois uma árvore que treme pela morte
que passa rente a mim. Será engano?
ou era o vento? Alheio à minha sorte,
de mim próprio inimigo, caminho estrada fora.



Franco Loi. Memória. Tradução colectiva (Mateus, Março de 1992, revista e apresentada por António Osório.) Quetzal Editores, 1993 p. 28

Eu venho de longe, sou o das ostras e das blasfémias,
o mercador de maravilhas e dos caroços de pêssego,
o que compra a amargura dos humildes
e doce a espalha limpa como um pássaro voando...
Eu vi dos pobres a cidade dos mortos,
os plátanos ali, especados, com os homens sós
que gritavam com os pés e cuja cabeça à banda
cortava oscilando a corda nos nós do tronco,
vi os campos de erva, onde os braços calcavam
com fúria a terra, como se catarrentos
quisessem soterrar-se, ou desesperados
pôr-se de cu para aquele céu... Oh, escarpas
de fuzilados, exangues, ar de tragédia,
freixos selvagens que já não tendes céu, mendigos de que sopros!
Vi gente gotejando, em fuga ofegante,
e aquelas sirenes, atrás, com as mãos a gritar:
foge, foge, corre!, vem por aí abaixo
uma porradaria de bombas, que metralham e ceifam,
e os rapazes que escarvam, cães como bandos de rapazes,
e mães que berram  - Meninos, quem pode fugir do vento?...
Ah, se eu venho de longe...Péssima raça!
Quando penso que morrer não é nada,
que temos medo de uma sombra, que louca
é esta nossa vida, e que os homens parecem caminhar...
Caminhar? Ou é este o empurrão do ar que os colhe
e os arrasta pra onde quer, para onde vão finar-se?




Franco Loi. Memória. Tradução colectiva (Mateus, Março de 1992, revista e apresentada por António Osório.) Quetzal Editores, 1993 p.
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