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terça-feira, 1 de janeiro de 2013

«Se tu soubesses», disse Deus,
«como pode ser longa a eternidade

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Alain Bosquet. O Tormento de Deus. Tradução de Jorge Guimarães. Quetzal Editores, Lisboa, 1992., p. 84

«Não tenho língua própria:
eu comunico
sem estar certo que me compreendam.»



Alain Bosquet. O Tormento de Deus. Tradução de Jorge Guimarães. Quetzal Editores, Lisboa, 1992., p. 81
«Pergunto-me quem sou»,
disse Deus, «o espírito, a carne ou o que na carne
se quer espírito;
a noite, o dia ou o que no dia
experimenta pela noite mais ternura.
Talvez que seja eu um compromisso
entre o ser e o não ser,
à custa de mim mesmo:
o vazio e o de mais do vazio,
nada mais que o meu nome,
uma sílaba de sangue
que não se deveria enunciar,
ou um verbo que mata.
Sou a tua vogal, ó música;
ó silêncio, a tua consoante.»


Alain Bosquet. O Tormento de Deus. Tradução de Jorge Guimarães. Quetzal Editores, Lisboa, 1992., p. 77

Deus disse: «Eu sou teu alimento mais saudável,
o trigo, o vinho e a palurda,
o anho, o mel e a amora selvagem.
Para me comeres, lava as mãos e a alma,
veste as melhores roupas
e toma-me depois entre os teus lábios.
Deverás mastigar-me muito tempo,
pois meus sabores são tantos!
Trarei assim a força aos teus pulmões,
aos teus joelhos,
e aos subúrbios do teu cérebro.
Mal te tenha alimentado o coração,
tornar-me-ei teu sangue.
Eu sou a tua química mais pura.»




Alain Bosquet. O Tormento de Deus. Tradução de Jorge Guimarães. Quetzal Editores, Lisboa, 1992., p. 75
«Para crer, é preciso sangrar», disse Deus,
«e que a plenitude provoque o conflito,
e que a eternidade seja intragável.
Para aceder a mim, deve a alma arrastar-se,
como um boi, até esse matadouro
que é a esperança.
Para ser-se digno
de um absoluto que jamais conhecerás,
é preciso nascer e morrer,
três vezes por dia, até à volúpia.»


Alain Bosquet. O Tormento de Deus. Tradução de Jorge Guimarães. Quetzal Editores, Lisboa, 1992., p. 66
«Vai ao deserto», disse Deus,
«e prosterna-te, a fronte sobre a pedra:
três noites depois tornar-te-ás teu duplo.
Vai a um monte,
saúda a neve e as suas lavas,
para mereceres ser monte.
Vai a ti mesmo,
perguntando-te se a tua aorta,
e os teus pulmões, são habitáveis:
tornar-te-ás teu próprio sangue.
Vai além do desconhecido
e dize, lento, a palavra deus:
ou morrerás aí,
ou serei eu a cair morto.»
 
 
 
 
Alain Bosquet. O Tormento de Deus. Tradução de Jorge Guimarães. Quetzal Editores, Lisboa, 1992., p. 61

«Reconhecer-me-ás: sou simples e vulgar.»

Alain Bosquet. O Tormento de Deus. Tradução de Jorge Guimarães. Quetzal Editores, Lisboa, 1992., p. 57
O homem queixa-se:
«Tu deste-me um corpo
mais pequeno que o corpo da montanha.
Deste-me um cérebro
com que não posso compreender-me.
Deste-me um coração
que não serve para me aceitar.
Deste-me palavras
que são um luxo na minha desordem.
deste-me um deus
o qual não sei quem é, se eu, se tu.»


Alain Bosquet. O Tormento de Deus. Tradução de Jorge Guimarães. Quetzal Editores, Lisboa, 1992., p. 56

«Deus decidiu que o homem, tendo razão,
deveria morrer.»



Alain Bosquet. O Tormento de Deus. Tradução de Jorge Guimarães. Quetzal Editores, Lisboa, 1992., p. 52
Deus disse:
«A minha angústia é profunda:
criei este universo, e não sei porquê.
O sol canta, cercado pelas poldras.
O sol saúda-me
com suas ilhas ténues,
e o poeta escreve uma ode
para me explicar quem devo ser.
A minha angústia é profunda e as estrelas
estão longe de mais para consolar-me.»



Alain Bosquet. O Tormento de Deus. Tradução de Jorge Guimarães. Quetzal Editores, Lisboa, 1992., p. 37

«Se eu envelheci», disse Deus, «substituam-me:
não se deve guardar um soberano
que se afunda em incerteza.
Apresentar-vos-ei a deuses competentes,
com três, quatro lições dadas por mim
de tacto e divindade.
Irei só para o hospício,
levando algumas almas,
algumas músicas.
Não me lamentem:
tomei, junto de vós, gosto por ser.»



Alain Bosquet. O Tormento de Deus. Tradução de Jorge Guimarães. Quetzal Editores, Lisboa, 1992., p. 36

domingo, 30 de dezembro de 2012

«Quando o ar sobre as túlipas é doce,
sou eu», disse Deus.
«Quando o peixe dourado
pede ao lago que se anime
para uma serenata,
sou eu.
Quando o vento do estio adormece sob as pedras
e explode no fundo das antigas torres
arrastando consigo a cabeça das estátuas,
sou eu.
Quando o verbo todo o poderoso
larga os seus lobos, que somam dez mil,
nos oásis, nas florestas, na escuma das vagas,
sou eu.
Quando a dúvida,
como escura ferrugem,
rói a estrela
até ao fim do esqueleto,
eu não sei
se sois vós
se sou eu, se é um outro deus.»


Alain Bosquet. O Tormento de Deus. Tradução de Jorge Guimarães. Quetzal Editores, Lisboa, 1992., p. 30

«Deixem-me só
na minha dificuldade: evoluo dia e noite
condeno-me à metamorfose.»


Alain Bosquet. O Tormento de Deus. Tradução de Jorge Guimarães. Quetzal Editores, Lisboa, 1992., p. 24
Deus disse
«Quero ser um fardo a todo o incréu.»


Alain Bosquet. O Tormento de Deus. Tradução de Jorge Guimarães. Quetzal Editores, Lisboa, 1992., p. 22

«Estou triste», disse Deus,
«por ter nascido adulto.
Jamais tive uma infância
nem alguma vez me permitiram
a descoberta de um mundo
já formado.
Não encontrei ninguém
a quem dizer: 'Bom dia, meu pai',
nem 'Minha mãe, como é que tem passado?'
Não me sinto sem culpa.
Todos eles - o silex, a lava, a peónia,
o mosquito, o homem, o zéfiro,
exigiam que eu fosse activo e responsável.
Estou triste:
falta-me um passado.»


Alain Bosquet. O Tormento de Deus. Tradução de Jorge Guimarães. Quetzal Editores, Lisboa, 1992., p. 14
«Prometo-vos corrigir,
assim que eu possa, tantos erros.»


Alain Bosquet. O Tormento de Deus. Tradução de Jorge Guimarães. Quetzal Editores, Lisboa, 1992., p. 13
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