domingo, 22 de abril de 2012

O DEUS-CABRÃO

O campo é um país de verdes mistérios
para o rapazinho que vem passar o Verão. A cabra, se come
dumas flores, incha-lhe a barriga e não pára de correr.
Quando o homem gozou com uma rapariga
-têm pelos em baixo - o bebé incha-lhe  a barriga.
Enquanto guardam as cabras, armam-se em fortes e troçam uns dos outros,
mas, ao cair da noite, cada um começa a olhar por cima do ombro.
Os rapazes sabem ver se a cobra passou ali
pelo rastro sinuoso que deixa na terra.
Mas se a cobra passou no meio da erva
ninguém a vê. São as cabras que se plantam
na erva por cima da cobra e que gozam deixando-se chupar.
As raparigas também gozam quando se deixam tocar.
 
Quando a lua aparece, as cabras nunca mais param quietas,
é preciso arrebanhá-las e tocá-las para casa,
senão empina-se o cabrão. Dá um salto no meio do prado,
esventra as cabras todas e desaparece. Com os calores, as raparigas
metem-se pelos bosques dentro, sozinhas, de noite,
e o cabrão, se balem deitadas na erva, vem a correr ter com elas.
Mas a lua que desponte: empina-se e esventra-as.
E as cadelas que ladram à lua
é porque sentiram o cabrão aos saltos
no alto dos montes e farejaram o cheiro do sangue.
E os animais agitam-se dentro das cortes.
Somente os mantins mais fortes roem a corda com os dentes
e um deles solta-se e corre atrás do cabrão
que o salpica e embebeda com um sangue mais vermelho que o fogo,
e depois dançam todos, de pé nas patas traseiras e a ulular à lua.
 
Quando de manhã o canzarrão regressa pelado e a rosnar,
os aldeãos chegam-no à cadela à força de pontapés no traseiro.
E à rapariga que vagueia ao lusco-fusco e aos rapazes que regressam
já noite cerrada com uma cabra perdida dão-lhe cachaços.
Emprenham as mulheres os camponeses e derreiam-se sem con-
                                                                                               templações.
Andam sempre fora, dum lado para o outro, de dia e de noite,
                                                                                    e não têm medo
de ir cavar mesmo à luz da lua ou de acender uma fogueira
de gravetos no escuro. Por isso a terra verde
é tão bela e, sachada, tem as cores,
ao romper do dia, dos rostos dourados pelo sol. Vai-se para a vin-
                                                                                                    dima
 
e come-se e canta-se; na desfolhada
dança-se e bebe-se. Ouvem-se raparigas a rir-se
pois alguém falou no cabrão. Lá em cima, nos bosques,
entre as cristas pedregosas, os aldeãos viram-no:
procurava a cabra e dava marradas nos troncos das árvores.
Porque, quando um animal não sabe trabalhar
e só serve para a cobrição, tem prazer em destruir.
 
 
 
 
Cesare Pavese. Trabalhar Cansa. Tradução e introdução de Carlos Leite. Edições Cotovia, Lisboa, 1997., p. 43-45

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