quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

VIDAS

I

  Oh!, as extensas áleas da terra sagrada, as esplanadas do templo! Que destino deram ao brâmane que me explicou os Provérbios? De então, e desse país, revejo ainda tudo, as velhas, inclusive! Recordo-me das horas de prata e de sol a declinar para os rios, a mão dos campos pousando-se-me sobre os ombros, e das nossas carícias, de pé, nas planícies salgadas. - Uma revoada de pombas escarlates brada em volta do meu pensamento. - Exilado aqui, dispus de um palco onde representar as obras-primas dramáticas de todas as literaturas. Sublinharia, só para vós, essas riquezas inesquecíveis. Atento na história dos tesouros que haveis encontrado. Prevejo já a sequência e a consequência! A minha sabedoria é tão desprezada como o caos. O que é o meu nada comparado com a estupefacção que vos espera?

 II

   Sou o inventor em que nada desmereço, antes pelo contrário, de quantos me precederam; inclusivamente de um músico que tivesse encontrado a clave do amor. Agora, que sou morgado de terras ácidas sobre um céu parco, tento emocionar-me com a lembrança de uma infância de mendigo, dos anos de aprendizagem ou da chegada em tamancos, das discussões, das cinco ou seis vezes que enviuvei, e de algumas pândegas onde a minha cabeça de mula me impediu de vibrar em uníssono com os camaradas. Não me arrependo do quinhão que, em tempos, tive da alegria divina: a atmosfera frugal destas terras ácidas nutre intensamente o meu cepticismo atroz. Mas, como esse cepticismo não pode mais ser posto em prática, e dado ter-me entregue a uma nova inquietação - estou à espera de me tornar um louco particularmente maligno.

III

   Num sótão onde fui trancado, tinha eu doze anos, fiquei a conhecer o mundo, ilustrei a comédia humana. Num celeiro aprendi a história. Numa qualquer festa nocturna, numa cidade do Norte, encontrei todas as mulheres dos pintores passados. Numa velha galeria de Paris, fui introduzido nas ciências clássicas. Numa mansão magnífica rodeado pelo Oriente inteiro, realizei uma imensa obra e passei uma reforma ilustre. Revolvi o meu sangue, de lés a lés. Foi-me reconhecida a missão que me cabia. É ponto assente, e do passado. Pertenço realmente ao mundo trespassado, chega de mandatos.



Arthur Rimbaud. O Rapaz Raro. Iluminações e poemas. Tradução de Maria Gabriela Llansol. Redógio D' água, Lisboa, 1998., p. 49/51

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