domingo, 5 de dezembro de 2010

Hölderlin

Detença, mesmo com as coisas mais íntimas,
não nos é dada; das imagens
cumpridas o espírito arroja-se repentino de mais para as que se
[querem cumprir; lagos
há-os só no eterno. Aqui, é a queda
o mais próprio. Do sentimento sabido
precipitar-nos para baixo para o pressentido, mais além.

A ti, ó magnífico Invocador, a ti toda uma vida
te foi dada a instante imagem, e, quando a exprimias,
o verso fechava-se como um destino, havia uma morte
mesmo no mais suave, e tu entravas nela; mas o deus
que ia à tua frente guiava-te para lá, pra fora dela.

Ó tu espírito errante, o mais errante! Como elas todas
moram no poema quente, agasalhadas, e ficam
longamente na comparação estreita. Partícipes. Só tu
vagueias como a Lua. E em baixo aclara-se e escurece
a tua paisagem nocturna, santamente assustada,
que tu sentes em despedidas. Ninguém
a deu mais sublimemente, a restituiu ao Todo
mais inteira, menos pobre. Assim também
brincaste teu jogo santo por anos já não contados
com a infinita ventura, como se ela não fosse interior, mas jazesse
por aí, pertença de ninguém, na macia
relva da Terra, abandonada por crianças divinas.
Ai, o por que os Altíssimos anseiam, puseste-o tu, sem desejo,
pedra sobre pedra: e ficou. Mas mesmo a sua queda
te não perturbaria.

Se um tal, eterno, houve um dia, porque é que nós
desconfiamos ainda do terrestre? em vez de no transitório
seriamente aprender os sentimentos de qualquer
inclinação, futura no espaço?

(Irschenhausen, Setembro de 1914)


Rainer Maria Rilke


in Friedrich Hölderlin. Poemas. Prefácio, Selecção e trad. Paulo Quintela. Relógio D' Água, Lisboa, 1991, p. 9

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