quarta-feira, 21 de julho de 2010

O Velho

Tantos rebanhos desfilaram, tantos pobres
E ricos cavaleiros - alguns,
Vindos de cidades distantes, haviam passado
A noite em cavas,
Acendido fogueiras contra os lobos. Vês
A cinza? Feridas redondas e negras, cicatrizadas.
Está coberto de cicatrizes, como a estrada.
Mais longe, no poço seco, jogavam
Os cães raivosos. Não tem olhos, está coberto
De cicatrizes, é sem peso: o vento sopra.
Nada distingue, tudo sabe,
Carcaça vazia de cigarra numa árvore oca.
Não tem olhos, nem mesmo mãos, conhece
A aurora e o crepúsculo, conhece as estrelas
O sangue delas não o alimenta, nem é sequer
Um morto, não é de raça alguma, não morreu,
Assim o esqueceremos, sem linhagem.
As unhas fatigadas de seus dedos
Traçam cruzes sobre lembranças corrompidas
Enquanto sopra o vento desordenado. Neva.
Vi a geada em volta dos rostos.

Vi os lábios húmidos, as lágrimas geladas
No canto dos olhos; vi a prega
Da dor junto às narinas e o esforço
Nas raízes da mão; vi o corpo encontrar seu fim.
Esta sombra não está só, pregada
A esta bengala que jamais se dobra,
E nem mesmo pode baixar, para estender-se.
O sono esmigalharia seu esqueleto
Entre as mãos das crianças que brincam.
Ordena como esses galhos mortos
Que se partem quando a noite cai e o vento
Desperta nos vales,
Ordena às sombras dos homens,
Não ao homem em sua sombra
Que ouve apenas as vozes baixas
Da terra e do mar, lá onde elas encontram
A voz do destino. Fica de pé,
Na margem, entre rodas de ossadas,
Entre montes de folhas mortas,
Gaiolinha vazia esperando
A hora do fogo.

Drenovo, fevereiro, 1937.

Giorgos Seferis. Poemas. Trad. de Darcy Damasceno. Estudo introdutivo de C. TH. Dimaras. Editora Opera Mundi. Rio de Janeiro, 1973., p. 113

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