segunda-feira, 26 de julho de 2010

As fogueiras de São João

Nosso destino, chumbo derretido, não saberia mudar
Nada tem que se fazer,
Derramou-se o chumbo na água sob as estrelas apesar das foguei-
ras que queimam.

Se ficas nua diante o espelho à meia-noite, verás...
Verás no fundo do espelho passar um homem que, em teu destino,
Dominará teu corpo,
Na solidão e no silêncio, o homem
Da solidão e do silêncio
Apesar das fogueiras que queimam.

Na hora em que o dia acaba sem que o outro ainda comece,
Na hora em que o tempo se interrompe,
Aquele que desce então, de desde a origem dominava teu corpo
Deverás encontrar,
Deverás procurá-lo para que ao menos alguém o encontre quando
estejas morta.
São as crianças que acendem as fogueiras e gritam diante das chamas
na noite quente
(Houve acaso alguma fogueira que não a acendesse uma criança,
Eróstrato?)
E elas jogam sal nas chamas para que crepitem
(É estranho o olhar que súbito vos lançam as casas, funis de
homens, quando as percorre um reflexo)
Mas tu que conheceste o encanto da pedra sobre o rochedo batido
pelas vagas
No poente onde a calma desceu,
Tu ouviste, no fundo da tua carne, a voz humana da solidão e do
silêncio,
Quando extinguiram-se todas as fogueiras,
Nessa noite de São João,
E decifraste a cinza sob as estrelas.



Giorgos Seferis. Poemas. Trad. de Darcy Damasceno. Estudo introdutivo de C. TH. Dimaras. Editora Opera Mundi. Rio de Janeiro, 1973., p. 117/118

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